JESUS E A DOUTRINA PÓS-MODERNA
Autor: Luiz Dias do Nascimento Filho
Trabalho apresentado na Jornada Teológica do STM/02/2017
RESUMO
A proposta deste trabalho sobre Jesus e a doutrina pós-moderna, tem a
preocupação de investigar, de modo bem sintético, as formas como Jesus foi
pensado na filosofia da igreja primitiva, na idade média, idade namoderna e como
Ele é pensado hoje na filosofia pós-moderna. Ao levar em consideração
estes aspectos, surge o interesse de uma pesquisa focada na possibilidade
da existência de um Jesus que ultrapassa a realidade de uma doutrina
única, que dá lugar a um Jesus plural, um Jesus das diversidades
religiosas e culturais segundo a necessidade de cada tempo. Este caminho
parece oferecer condições de conhecer concepções de crenças fundadas em
valores tradicionais de verdade e a ruptura com essa verdade. Sendo assim,
propõe-se neste trabalho trazer para o debate a questão da concepção
teológica de um Jesus único, absoluto e de um Jesus pós-moderno onde
estará em discussão a questão da unicidade e da diversidade doutrinal de
Jesus. Para isto, tomamos como base o texto de Gianni Vattimo e outras
leituras auxiliares, buscando entender os pressupostos do pensamento forte
(tradicional) e do pensamento fraco (pós-moderno). O interesse por esta
discussão se dá pelo fato de que a igreja primitiva valorizava a doutrina
única de Jesus, enquanto a pós-modernidade reivindica a relativização
dessa doutrina em função da pluralidade cultural.
Palavras-chaves
Pensamento forte, pensamento fraco, doutrina, Jesus, moderno,
pós-moderno,
Introdução
O interesse por esta pesquisa se deu pelo fato de querer entender como
Jesus foi primeiramente pensado na igreja primitiva e como ele é pensado
hoje a partir de tantas mudanças, não só no campo religioso, mas na
evolução da ciência, da tecnologia, da comunicação, das grandes narrativas
iluministas, no campo da história, da teologia e outras vertentes que se
aplicaram a pensar sobre Jesus. A outra questão que nos leva a valorizar
esta pesquisa é a possibilidade de se saber como Jesus está sendo pensado
diante da realidade objetiva da produção material que busca a satisfação
dos desejos dos indivíduos, produzindo experiências de natureza objetiva,
ou seja, experiência de aquisição e satisfação de coisas. Um fenômeno
produzido por imagens objetivas, ou seja, imagens que se colocam diante do
homem, dando a ele representações divinas, representações que se realizam
entre o concreto e o abstrato, uma zona intermediária que concilia
matemática e experiência, leis, fatos e espiritualidade, reivindicando uma
nova concepção de fé e de utilização da fé em Jesus.
JESUS E A QUESTÃO DA DOUTRINA
Iniciarei meu texto com a declaração de que a nossa sociedade moderna se
envolveu numa dimensão de crise sem precedente. Estamos mergulhados dentro
de múltiplas crises: crise de valores, da ética, da verdade, da justiça,
da religião e do homem como indivíduo. Momento que é anunciado a chegada
de uma pós-modernidade, uma pós-modernidade que aboli os fundamentos,
prevalecendo-se da debilidade moderna fundada em narrativas produzidas por
grandes filósofos, teólogos, sociólogos e psicanalistas que teceram a rede
do iluminismo (racionalismo).
Para melhor compreensão desses acontecimentos e sua influência na
doutrina Cristã, procurarei pontuar algumas mudanças que ocorreram na
forma de pensar sobre a pessoa principal da fé cristã, Jesus.
No início do cristianismo, século I, Jesus é o homem com finalidades
libertárias, o Jesus que resgata o homem do engano de um mundo constituído
de valores oriundos de uma raça corrompida. O Messias salvador que
transforma o homem e o coloca na verdade de uma vida eterna com Ele.
Porém, do
século V ao século XV houve uma mudança no pensar sobre Jesus, período que envolve o começo e o fim da idade média. Neste tempo a
pessoa de Jesus passou a ser conhecida como o Jesus feudo, Jesus
latifúndio, um Jesus que agia diretamente na política, na cultura e na
economia das nações por meio da Igreja que tinha como prioridade o domínio
dos povos e a pregação de um Jesus elitizado, das indulgências, sem
misericórdia, sem promessa de vida eterna com Deus.
Já no final do século XV até começo do século XVII, deu-se início o
movimento intermediário entre a idade média e o iluminismo, período
chamado de Renascimento que busca resgatar a filosofia antiga na intenção
de pensar o mundo, a religião e o homem numa nova perspectiva.
Este movimento proporcionou, primeiramente, o aparecimento da reforma
protestante no início do século XVI com Martinho Lutero,
através da publicação de suas 95 teses, em 31 de outubro de 1517, que
abriu portas, no
século XVIII, na Europa, para o início do intelectualismo Iluminista, um movimento que
defendia o uso da razão (luz) contra o antigo regime (trevas).
Rompia-se, então, definitivamente, o sistema religioso medieval,
obrigando a
teologia a sistematizar o seu conhecimento sobre Deus, Jesus, passando a
se pensar um Jesus ligado à razão, o que contribuiu para o aparecimento
dos grandes clássicos teológicos desse período.
No início do século XX, ao apresentar sinais de insuficiência, o
pensamento estrutural iluminista começa a dar oportunidade para uma nova
forma de pensar. Um pensamento que vai se efetivar negando o racionalismo
moderno que toma o nome de filosofia pós-moderna. Nele, Jesus passa ser
pensado como um Jesus de natureza linguística, individual, plural. Ou
seja, um Jesus criado à imagem e semelhança das necessidades regionais e
individuais.
Está incutido na visão pós-moderna, de modo parcial, uma das vertentes
reformista que delegava aos indivíduos a liberdade de interpretação e
reflexão das escrituras. Sendo assim, na esteira da filosofa reformista e modernista, surge o discurso da
pós-modernidade, que se solidifica a partir de uma sociedade que se
declara pós-industrial,
o que leva a um novo modo de pensar o homem, Deus, religião, sociedade e
no rápido crescimento do setor de serviços, em oposição ao manufaturado da
tradição industrial e o aceleramento do desenvolvimento da tecnologia da
informação, estabelecendo a era da informação. Nesta via, conhecimento e criatividade tornam-se matérias cruciais para
o sistema econômico e vital dos indivíduos.
A
cultura pós-industrial ou pós-moderna cria e vai priorizar valores que
determinam uma nova produção cultural. Um discurso que tem como
prerrogativa a não valorização da ideia de totalidade, do ser e, sim, da
multiplicidade, da fragmentação, da ausência de referência, a valorização
do relativo e da desordem. Para o pensamento pós-moderno, a verdade são os
estilos de vida e estéticas que atendem a solicitação de mercado. A comunicação
e a indústria ganham papéis importantes na difusão dos valores e, não, as
instituições religiosas e públicas que priorizam narrativas normativas com
teor ético.
No discurso
pós-moderno não existe doutrina única que dê sentido único a todos os
homens. Mas, deve-se aprender a conviver com o caos, a desorientação, a
relativização e a instantaneidade das coisas. Nesta perspectiva, Jesus não
pode ser entendido apenas como salvador de almas, mas um Jesus múltiplo que
dá sentido a criação de propósitos e valores de mercado, um Jesus de
consumo.
Na cultura pós-moderna Jesus se aproxima da configuração de um homem
jogado a um projeto de consumo, um Jesus múltiplo que cabe em qualquer
configuração cultural. Neste pensamento, Jesus é inserido em qualquer
grupo de linguagem. As aberturas linguísticas permitem a produção de uma
consciência de multiplicidade de caminhos e universos culturais
determinantes. Para os filósofos pós-modernos, não é mais possível pensar um sistema que
chancele a pessoa de Jesus como um Deus dotado de uma só doutrina,
doutrina essa marcada pela desconfiança.
Na filosofia pós-moderna não há um ponto de vista privilegiado de onde
seja possível fazer julgamento do certo e do errado, pois a vida não se
restringe mais apenas a um pensamento lógico, racional, universal. Na
pós-modernidade o comportamento é pautado, em sua grande parte, não por
regras conscientes, mas por uma força que nos move, estimula, e que é
chamada, segundo
Nietzsche,
vontade de potência.
Na visão pós-moderna a doutrina de Jesus deve estar em consonância com a
realização de mercado, voltada para as necessidades individuais e
culturais. Nesta via, o homem renasce com seus objetivos de bens de
consumo, de direito e de bem-estar corporal. O movimento pós-moderno
projeta em seu bojo um novo pensar teológico, um novo pensar relativo, que
é a valorização do pensar de cada indivíduo comprometido com as exigências
de mercado em concordância com as necessidades de consumo, baseadas na
linguística que interpreta e anuncia satisfações momentâneas. Nesta
vertente, Jesus deixa de ser o Cristo da alma para ser o Cristo de
mercado.
No pensamento pós-moderno a realidade passa a ser a doutrina dos bens
terrenos. Jesus na visão pós-moderna se materializa nas condições de
consumo e lucro, ou seja, um Cristo determinado para as realizações de
riquezas e bens materiais. A pós-modernidade indica a falência de um
Cristo universal, o salvador de almas e abre espaço para o salvador de
bens e do bem-estar corporal. O Cristo se torna um Cristo poroso que cabe
em qualquer cultura, crença ou religião, a partir dele se deve pensar na
multiplicidade de verdades que se ajeitam com as leis de mercado e as
culturas.
O pensador italiano Gianni Vattimo, filósofo do meado do século XX,
acredita que a transição da modernidade para a pós-modernidade configura a
mudança de um "pensamento forte, para um " pensamento fraco ". No
pensamento forte (ou metafísico) Vattimo entende a filosofia que se funda
na verdade, na unidade e na totalidade, (um tipo de pensamento que
proporciona "regras" absolutas para o conhecer e o agir). Quanto ao
pensamento fraco (ou pós-metafísica), Vattimo alega que ele significa a
recusa dessas categorias fortes e da legitimidade global, um tipo de razão
normativa.
Para Vattimo, o pensamento fraco é explicitamente revelado como uma forma
de niilismo que nos leva a liberdade, ele impede que sejamos aprisionados
pelas verdades absolutas da nossa espiritualidade.
Segundo Vattimo, o pensamento fraco é cunhado no contexto mais amplo do
relativismo que se posiciona contra o pensamento forte. Este relativismo
alimenta o pensamento pós-moderno e está intimamente ligado ao
enfraquecimento do ser, ou seja, do Deus Jesus, de sua doutrina, da origem
das coisas e da causa primeira. Jesus se torna apenas uma verdade dentre
muitas outras, o que destrói as ênfases dominantes da culpa, e valoriza a
tolerância ligada a questão do destino.
Vattimo chega a conclusão, ao analisar o renascimento dos cultos
religiosos e sua multiplicidade de doutrinas, que cada uma, ao seu
critério, aparece com a verdade que interessa, o que levanta a bandeira do
aforismo de que é preciso “ acreditar para acreditar”. Na análise de
Vattimo pode-se entender que a doutrina universal cristã deixa de ser
possível, pois não existe apenas uma doutrina do Cristo, mas doutrinas, o
que faz rejeitar a questão da intolerância religiosa. Vattimo percebe que
ao valorizar o pensamento fraco, as verdades religiosas corroboram para a
ratificação do pós-modernismo, pois o ser universal, o ser da doutrina
única e absoluta, está enfraquecido, o que obscurece a teologia
tradicional que passa a ser vista como criadora de um Deus menor.
Jesus como o Ser eterno, absoluto, no movimento pós-moderno, é dotado de
porosidade, do contraditório, do policêntrico, desprovido de singularidade, abandonado ao seu curso, ao
seu destino, enfraquecido como absoluto.
A concepção de Vattimo revela, de forma bastante clara, que a filosofia
pós-moderna fala de uma estreita relação do homem com a linguística, a
estética e a criatividade. O que leva Vattimo anunciar o fim do pensamente
forte, ou seja, o fim da modernidade. Entende que não é mais cabível no
mundo contemporâneo um pensamento que exija certezas e fundamentos
exclusivistas sobre o homem, sobre Deus, sobre a história e valores.
Vattimo entende que a crise pela qual o mundo passa, abala as estruturas
de uma verdade universal. Diz que todas as evidências e distinções estão
borradas. Entende que não existe mais fundamento para ser conhecido com o
qual o homem deva se preocupar. Hoje, vive-se um tempo das histórias, das
verdades de cada um.
Segundo as concepção de Vattimo, o que se pode vivenciar hoje e valorizar
são as condições do pensamento fraco. O conhecimento não centralizado que
entra em uma zona cinzenta dotado de incertos contornos. Pode-se afirmar
que o respaldo do pensamento pós-moderno é a ideia de que o homem lê o
mundo a partir de uma zona linguística sem fixidez, mas históricas. Esta
concepção de pensamento fraco altera a imagem de uma verdade pensada,
absoluta. Esta verdade deve ceder, recuar abrindo mão de sua estabilidade
e unicidade.
A realidade passa a ser o horizonte linguístico, porém não eterno, mas
historicamente qualificado. Dentro deste horizonte linguístico o homem lê
e interpreta e se relaciona. Porém, este horizonte é temporal e não
eterno, o que leva a desaparecer os discursos e teorias absolutas sobre
Deus Jesus, o homem, o sentido da história e o destino da humanidade.
Na premissa do pensamento pós-moderno ou do pensamento fraco é anunciado
o fim da doutrina estável, o que valoriza à concepção das múltiplas
doutrinas instáveis cheias de novas oportunidades de se pensar o mundo,
Jesus, as coisas e o homem. O grito de Nietzsche “Deus está morto”
anuncia, segundo Vattimo, o fim do discurso do ser, ou seja, das verdades
últimas e definitivas. A verdade não se reveste mais do absoluto, mas
passa ser a transmissão do patrimônio linguístico ou históricos, que
oferecem a condição de uma nova compreensão do real.
No pensamento pós-moderno, a história deixa a ideia de progresso, de
aproximação do fim, de leis aprimoradas, para valorizar as histórias das
constantes superações de um processo social, econômico, religioso e
cultural. Ou seja, a história passa ser as histórias de superações e não
de implantação de leis cada vez mais aprimoradas. Nessa via, Jesus se
torna o homem de superação e não mais o fim de todas as coisas com solução
definitiva para o homem, mas um Jesus que orienta para superações. Jesus
passa a ser um instrumento de utilidade capaz de oferecer condições de
vida temporal e não eternas, um Jesus que atende as leis de mercado.
O pensamento pós-moderno abandona a ideia de uma racionalidade central da história. A história é
substituída pelo mundo como linguagem que explode em racionalidades
(ética, religiosa, sexual, cultural e estética) que falam abertamente
sobre a ideia de que só há uma humanidade, aquela capaz de alcançar à
custa de todas as peculiaridades, de toda individualidade limitada,
efêmera e contingente, a dissolução dos fundamentos, ou seja, do ser.
O indivíduo pós-moderno é aquele que não tem mais necessidade de
"garantia fornecida pela ideia de Deus", mas aceita o niilismo como
oportunidade que o leva a aprender a viver sem ansiedade. Ele se satisfaz
no mundo relativo de "meias verdades", fora de certezas absolutas que
entendem como mitos da própria humanidade ainda primitiva e bárbara.
Vive-se o instante de uma humanidade que se desencantou com as verdades
eternas que envolvem o social, a religião, a política, a ciência e o
progresso. A compreensão da dinâmica pós-moderna leva em conta a
comunicação e o consumo como fatores essenciais para entender a
civilização contemporânea, o que enfraquece as ideias tradicionais e leva
a desmistificação do ser. Estimula o interesse pelo que é alternativo em
qualquer nível da vida.
O individual substitui os projetos coletivos e aprecia o culto ao corpo e
aos livros de autoajuda. As doutrinas pós-modernas passam a revelar a
existência de um Jesus que passa a ser entendido como o Jesus mercado, o
Jesus poroso, relativo, o Jesus da superação individual e não aquele autor
e consumador de todas as coisas, o alfa e o ômega.
BIBLIOGRAFIA
VATTIMO, Gianni. e Pier Aldo Rovatti (a cura di), Il pensiero debole, Feltrinelli, 2010, EAN 9788807721779.
REALE, Giovanni. História da filosofia, 6: de Nietzsche à Escola de
Frankfusrt/ G. Reale, D. Antiseri; tradução de Ivo Storniolo. Paulus, 2006
São Paulo/SP – coleção história da filosofia; 6.
SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Graal
– Rio de Janeiro/RJ, 1989.
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