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- Trabalhos de pesquisa nas diversas áreas das ciências humanas e outras.

4 de ago. de 2016

A HISTÓRIA E A QUESTÃO DO ENTENDIMENTO EM EDUCAÇÃO Luiz Dias do Nascimento Filho - Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ – NUCLEO DE ESTUDO E PESQUISA EPISTEME


A intenção deste trabalho nasceu do interesse pela discussão focada na possibilidade de existir um entendimento que ultrapasse o domínio de critérios tradicionais de compreensão do mundo. Critérios baseados em concepções de realidade idealista e ou realidade esclarecida. Métodos que entendem ser possível emancipar o homem histórico. Sendo assim, propõe-se trazer para o debate a questão do entendimento fundada na perspectiva de história de Marx, levando-se em conta a produção do conhecimento e a prática de ensinar dentro de uma abordagem epistemológica materialista. Entende-se que a perspectiva de Marx levanta questões importantes sobre o entendimento, sobre práticas pedagógicas que devem ser pensadas, devendo ser consideradas no seu valor em relação a vida. Esta proposta se torna relevante por ter como objetivo considerar as investigações de Marx sobre o entendimento, tendo como base a história e o avanço dessa na relação de produção material.

Introdução
O tema deste trabalho parte do pressuposto da crítica de Karl Marx ao pensamento idealista e sensível; teorias que valorizam a tradição dos jovens hegelianos e do pensamento de Feuerbach. Nossa intenção é conhecer como Marx rompe com esses procedimentos reconhecidos como verdadeiros e hegemônicos pela tradição e nos conduz a uma nova perspectiva de entendimento. 
Valorizou-se a crítica de Marx como crítica que é capaz de produzir questões importantes sobre a prática dos indivíduos históricos contrária ao pensamento inatista e a doutrina da valorização do conhecimento pela sensibilidade, particularmente a doutrina hegeliana do ideal, fundada em abstrações imaginativas como tentativa de emancipar o indivíduo enquanto indivíduo de uma realidade idealista.
Tentaremos verificar o pensamento de Marx pelo fato de reconhecermos que ele abre um leque de discussões que julgamos relevante à formação do entendimento, ou seja, a essa capacidade de avaliar os indivíduos e as coisas; julgar, estabelecer juízos que ultrapassam as abordagens epistemológicas tradicionais e que se firma na ação do trabalho material, fora de utopias inatistas e esclarecidas.  Buscaremos chegar ao teor da discussão em que Marx, de algum modo, esclarece sobre a possibilidade do aparecimento de um entendimento construído em bases concretas, para além de concepções não seguras, mas como produto de uma realidade material, construída na ação do indivíduo sobre a matéria, sobre a natureza e nas relações sociais. 
Entende-se que esta questão se torna importante por trazer revelações interessantes que possibilitam superar verdades tradicionais dominantes, e que leva a romper o domínio das concepções utópicas não confiáveis. A proposta deste trabalho torna-se relevante por se acreditar ser possível chegar a formação de um novo entendimento que avalie, julgue a partir de novos critérios de juízos.  Com isso, entende-se ser possível superar a faculdade dos juízos construídos em cima de doutrinas do esclarecimento e inatista que desprezam dimensões materiais históricas correspondentes à realidade da vida material. Entendemos que a via do materialismo histórico poderá nos conduzir a uma dimensão de um entendimento que se dá fora dos trâmites tradicionais e que leva a um julgamento que se constrói na ação sobre a natureza e nas relações sociais, na ação transformadora em que o indivíduo participa diretamente da transformação.

Karl Marx e a questão do entendimento
A discussão sobre a construção do entendimento sempre foi de interesse da ética para chegar a um resultado concreto sobre a realidade objetiva e a vida.
Jon Locke (1632-1704) preocupado em formular as condições do entendimento, leva em conta as atividades racionais.  Para Locke, o entendimento, assim como os olhos não conhecem a si mesmos, mas por um esforço em situá-los à distância, é possível fazer deles o seu próprio objeto (LOCKE, 1999). Locke estabelece o método de considerar determinadas faculdades apenas como possíveis de discernir, e a partir de então estudá-las se utilizando dos objetos que lhes dizem respeito.       
Locke considera que se pudermos descobrir até onde é possível chegar a formação do entendimento, até onde suas conclusões alcançam a certeza, e em quais casos ele pode apenas julgar e adivinhar, saberemos como nos contentar com o que é alcançável por nós nesta situação (LOCKE, 1999).  Locke diz que a maneira como adquirimos o conhecimento constitui suficiente prova de que ele não é inato. Afirma que o conhecimento não se encontra naturalmente impresso na mente porque não é conhecido pelas crianças e idiotas, etc. Locke procura afirmar que a capacidade é inata, mas o conhecimento não. Ele parte do princípio de que os homens têm princípios práticos opostos. (LOCKE, 1999)
Segundo Locke (1999), falando da capacidade inata, ele diz que basta olhar para a condição de ser possível investigar cuidadosamente a história da humanidade, levando em consideração as várias tribos de homens e suas indiferentes ações, será possível convencer-nos de que os princípios norteadores dessas atividades são designadas por um princípio universal ou regra que pode ser considerada absoluta. Por exemplo, a ideia em Locke é produzida no entendimento, mas não é inata e nem do trabalho material, mas, sim, de uma pessoa que pensa, esse ato de pensar engloba as possíveis potencialidades do entendimento (LOCKE, 1999). A ideia para Locke significa também os fantasmas provenientes dos sentidos, como lembranças, imagens, noções, conceitos abstratos. Compreende que as fontes de todo entendimento provem da experiência sensível e as reflexões, condições potenciais inatas.  Apesar da experiência sensível e a reflexão não constituírem propriamente conhecimento, são potencialidades que nutrem o entendimento com os materiais que possibilitam chegar a um determinado pensamento, o que chama de ideias. Locke compreende que as ideias chegam ao entendimento por graus, fornecidas pelo momento da experiência e da observação das coisas que aparecem ao indivíduo, e que não há caracteres originais impressos no entendimento (LOCKE, 1999).
David Hume (1711-1776) filósofo, historiador, economista e ensaísta escocês, conhecido principalmente por seu empirismo filosófico e ceticismo, contrapõe o pensamentos de Locke. Hume vai se debruçar sobre o problema da formação do entendimento abordando diretamente a questão moral.  Hume (2015) desenvolve sua teoria no confronto com o pensamento filosófico de Locke, no que conclui que a capacidade do entendimento se constrói na base da impressão. Propõe, assim, que todo conhecimento deriva dos sentidos (HUME, 2015).  As ideias que formam o entendimento, para Hume, não são inatas, mas aparecem derivadas das impressões. Essas impressões são oriundas de fatos e coisas que atingem o nosso psicológico ou percepção. Dessas impressões acontecem as representações que são as ideias concebidas, que se apresentam como deturpação da percepção bruta, original; reflexo do que foi impresso em nossa psique (HUME, 2015). Hume entende que todas as ideias válidas têm fundamento na impressão. Sendo assim, o entendimento de Hume tem como base as impressões e as relações entre ideias em forma de associações que dão origem a capacidade de estabelecer juízo (HUME, 2015).
Contrariando essas perspectivas de entendimento, no período de 1798-1857, Augusto Comte revindica a formação de um juízo que se forma a partir da observação. O que deu início a Filosofia Positiva, nos seus diferentes postulados, priorizando a ordem e o progresso.  Comte, constata que este entendimento se instala na história como um positivismo social. Ele nasce na exigência de se construir um conhecimento voltado para a formação de nova ordem social e religiosa. A ordem, segundo Comte, coopera com o progresso baseado na condição concreta. Essa proposta filosófica positiva coopera de forma direta para o nascimento de um entendimento que prioriza a questão técnico-industrial do período moderno e exalta o otimismo da origem do industrialismo (ABBAGNANO, 1970).
Na formação desse entendimento sobre a existência de um mundo que se oferece, o positivismo estende o conceito de progresso a todo universo das diferentes compreensões. Faz valer em todas as áreas o sentido dos resultados do trabalho consciente.  A capacidade de estabelecer juízos, nesse novo modo de pensar, passa a ser a única via capaz de oferecer compreensão a todo ramo da vida, o único meio possível de adquirir novos paradigmas sociais (RIBEIRO, 1994).
O positivismo deixa de ser o entendimento adquirido em bases interpretativas e da imprudência para se tornar puramente explicativo, que prioriza a neutralidade e a exatidão. Produz um modo de fazer juízos apoiado na explicação dos fatos e nas suas relações constantes, fundadas expressamente em leis, criando uma compreensão que valoriza apenas o juízo sobre as descobertas e previsões (RIBEIRO, 1994)
Comte, no “Sistema”, demonstra que o entendimento criado pelo método positivo desenvolve leis sociais e verifica as consequências dessas. Consegue, assim, elaborar um sistema político-religioso que tem como objetivo reformar o entendimento de sociedade com relação às coisas, a natureza e a religião. Ele se volta para o mundo real, ou seja, o mundo oferecido, o mundo apresentado de natureza social. A partir dessa via, entende que um vasto campo de pesquisa, valorizando a observação, abre-se para o trabalho (RIBEIRO,1994).
Dessa forma, surge um entendimento que prioriza um programa universal cujo objetivo é regulamentar e regenerar a vida humana no âmbito do privado e do público. Com essa filosofia, Comte se posiciona num embate contra o ontologismo aristotélico, contra o racionalismo e contra todos os sistemas que priorizam o conhecimento absoluto possíveis à razão (RIBEIRO,1994).
Nesta perspectiva, parece que Comte deixa compreender que o entendimento produzido, apenas, pela razão não é possível de ser validado a não ser os fenômenos, bem como suas relações. Segundo pensa, a razão não tem condições de chegar até a essência, ou as causas íntimas, por serem questões que se apresentam como impenetráveis.
O positivismo insiste em desprezar todas as determinações provenientes das causas. Ele valoriza as leis que devem ser percebidas nas relações efetivas entre os fenômenos. Nessa perspectiva substitui o que é a priori pelo posteriori. O mundo não é mais o inventado pela imaginação e sim o descoberto pela observação de todas as partes (COMTE, 1991).
Nesta perspectiva, torna-se a atividade do entendimento apenas o de sistematizar, do bom senso. Esta condição leva o pesquisador a ser um espectador de fenômenos exteriores, ele observa como se dão na relação.
A postura dessa teoria se efetiva a partir da oposição contra o quimérico, como também contra a incerteza das hipóteses: aquilo que é vago, absoluto, inorgânico e intolerante.
Tem como base o genético indutivo, ou seja, primeiramente se prende ao fato, em segundo a indução, valorizando leis de coexistência e de sucessão, especulando a partir dessa base a existência de novos fatos que escaparam à observação direta, detectados pela experiência (COMTE, 1991).
O entendimento que tem como base a realidade natural social não procura a ação do homem na sua relação com o mundo, nem com seu semelhante, como também não se interessa pelas causas íntimas. Antes, prende unicamente à descoberta e à combinação de leis, leis invariáveis, e às relações invariáveis de sucessão e semelhança. Porém, por outro lado, Comte admite uma lei fundamental, uma lei que se divide em três estados, por ser o modo como o pensamento ocorre, o que o leva a fundar a base de sua doutrina pela explicação na história (COMTE, 1991).
Foi o meio que encontrou para conhecer a importância da história no desenvolvimento do entendimento humano. Os três estados são assim representados: Teológico, Metafísico e, por fim, o Positivo. Nessa compreensão fica claro que a capacidade de estabelecer juízos passa por estados, constituindo uma verdadeira consciência apenas quando alcança o Estado Positivo. Tanto a sociedade como os indivíduos estão submetidos a passarem por esse processo de evolução mental (RIBEIRO,1994).
O Estado Positivo está tão preso à natureza que descarta qualquer possibilidade de conhecimento fora do seu contexto. Nele só é valido o que pode ser visto. Torna-se necessário que as coisas estejam presentes de modo concreto. Com isto, ao se colocar como o verdadeiro entendimento sobre o mundo e a sociedade, descarta a ação do indivíduo no mundo (COMTE, 1991).  
O espírito positivo, prima pela classificação dos fenômenos, em última análise, em busca do semelhante. Esse processo classificatório é um modo de reunir tudo que possui semelhança. Os fenômenos, nessa perspectiva, necessitam de ser colocados juntos para que haja entendimento (julgamento) de uma situação complexa. Noutro momento, o Positivismo busca, também, a generalização que se situa na afirmação probabilística, e não na certeza absoluta. Nessa metodologia a causa não é tida como solitária e absoluta, seja na origem ou no fim, mas como combinação relacional causa e efeito. Com isso, nunca se pode ter uma certeza absoluta do que se observa, mas apenas probabilidades (COMTE, 1991).
O entendimento se estabelece no estado de probabilidade. Esta prática científica passa, então, a ser considerada como um processo de evolução contínua, evolução essa que se dá pela acumulação de informações, adotando para si uma prática meticulosa, coerente de verificação. O entendimento positivo alicerçou-se em três momentos fundamentais: a história, a classificação das ciências positivas e finalmente a sociologia. Surgindo desse momento, o Estado Positivo que é um estado que submete a imaginação e a argumentação aos caprichos da observação (GIANNOTI, 1983).
Foi no fervor dessas discussões sobre a capacidade de julgamento do homem que em 1818 – 1883 surge Karl Marx como filósofo revolucionário. Sua filosofia exerceu influência em várias áreas do conhecimento, tais como Sociologia, Política, Direito, Teologia, Filosofia, Economia e outras. O pensamento de Marx rompendo com as cadeias do idealismo e da sensibilidade, utilizando-se de uma análise histórica do homem, traz a oportunidade de se conhecer uma nova concepção de entendimento no debate filosófico, refutando, assim, as teorias idealistas e do esclarecimento.
Fazendo-se uma análise sobre as condições históricas do homem a partir de uma concepção primitiva de se achar no mundo, verifica-se que essa condição se torna a primeira forma de aproximação do homem histórico do seu habitar. Um se achar não somente com os olhos, mas com todas as condições de indivíduo histórico. Este modo primitivo de se achar no mundo, desenvolve e pluraliza atividades materiais que possibilitam organizar e preservar a vida, o que faz aparecer às condições reais de vida.
Marx percebe que a realidade material alimenta as condições de vida, criando, assim, o conhecimento real sobre a vida, sobre os homens e suas relações históricas com a materialidade da natureza e com seu semelhante. Marx, verifica que desde cedo o mundo material com suas determinações possibilita aos homens a criação e o aperfeiçoamento de mecanismos específicos de manutenção da sua própria existência e das relações sociais. Desta forma, o trabalho material vai se constituir a base da organização mental dos homens (MARX, 2007). Parece que nesta via é possível conhecer o homem e o progresso das ações transformadoras, das relações com a natureza e com o semelhante, bem como, o potencial de julgar e estabelecer juízos, condição que se torna instrumento de sustentação da vida.
Marx, numa franca oposição aos jovens hegelianos e ao mundo sensível, leva esta questão dos juízos aos seus fundamentos. Acusa os Jovens Hegelianos de terem criticado os indivíduos por formarem ideias falsas sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o que deveriam ser, mas valorizam como princípio do entendimento, a essência do homem (MARX, 2007). Esta forma de julgamento, segundo a leitura que se pode fazer sobre os textos de Marx, está fora da realidade dos indivíduos reais, por se tratar de uma realidade ideal, sobrenatural e sensível (MARX, 2007).
A discussão do materialismo indica que o caminho para um entendimento real, concreto deve ser fundado na via epistemológica que valoriza a ação do homem sobre a matéria e nas suas relações sociais, e não na ideia ou sensibilidade. Marx busca um conhecimento que se apresente ou se manifeste nos seus processos materiais em que o homem participa dele através do seu trabalho (MARX, 2007).
Torna-se possível, na perspectiva materialista, buscar diferentes explicações da dinâmica social do homem, do mundo o que leva a identificação de uma faculdade que julga e esclarece diferenças (MARX, 2007). A matéria é que dá ao homem as condições de realidade e do diferente, por ele está inserido nessa natureza material, ou seja, nos seus aspectos diferenciáveis. O homem marxista constrói sua capacidade de julgar e estabelecer juízos no âmbito da ação sobre a matéria, no conflito, no trabalho dialético com a realidade material.
Percebe-se que a perspectiva de Marx contraria as dos Jovens Hegelianos, que compreendem que o entendimento é produto de ideias que determinam as relações entre os homens como: seus gostos, as suas cadeias e os seus limites (MARX, 2007). Parece que há uma proposta junto aos Jovens Hegelianos em substituir o entendimento fantasioso pelo entendimento formado a partir da crítica das ideias essenciais. Essa concepção de entendimento beneficia diretamente o trabalho burguês que via nessa formação a possibilidade de se firmar na dominação (MARX, 2007).
Em Feuerbach, parece que a sua teoria sobre a formação do entendimento, ou seja, a capacidade de avaliar os indivíduos e as coisas, apesar de buscar no material sentido para as coisas, privilegia o campo sensível. Marx entende que Feuerbach, apesar de trabalhar com a materialidade, valoriza o campo sensível. Para Feuerbach, acusa Marx: as coisas, a realidade, o mundo sensível é tomado apenas sob a forma do objeto ou da contemplação e não da atividade material (MARX, 2015). A teoria do entendimento de Feuerbach prioriza a busca de objetos sensíveis distintos dos objetos do pensamento, fora da atividade da ação do homem sobre a matéria.
Feuerbach deixa de fora o significado da atividade transformadora da prática, enquanto Marx afirma que é na prática que o homem tem como comprovar a construção da capacidade de julgar fora de um sentimento.
O entendimento real, concreto da realidade e do poder surgem na materialidade, é nesta que aparece a existência de um entendimento real concreto, perspectiva materialista (MARX, 2015).
Para Marx, as circunstancias de construção do entendimento são precisamente causadas pela atividade dos homens na transformação da natureza que o educador tem que ser constantemente educado (MARX, 2007). Marx, parte do princípio de que o entendimento está sempre em construção mediante as atividades do homem histórico. Nesta atividade os indivíduos criam novas circunstancias que impõe mudanças. Com essas afirmações pode-se compreender que, na perspectiva de Marx, o entendimento como faculdade do conhecimento é produto da atividade ou do trabalho do homem sobre a natureza, sobre a matéria (MARX, 2015).
O que fica claro é que não basta ter um entendimento do mundo de maneiras diferentes, mas um entendimento baseado nas atividades transformadoras do mundo que sempre são revolucionárias. Por este motivo, Marx critica a construção do entendimento epistemológico de Feuerbach alegando a insuficiência deste procedimento materialista que considera as coisas, a realidade, o mundo sensível tomado como forma de objeto ou da contemplação, em vez de valorizar a atividade sensível material não subjetiva (MARX, 2015). Segundo as afirmações de Marx, é necessário que percebamos que a mudança ou o desenvolvimento do entendimento aconteça das circunstâncias e das atividades humanas que aparecem como processo revolucionário sobre a matéria (MARX, 2007).
Acompanhando esta discussão sobre a formação do entendimento, encontramos em Gaston Bachelard (1884-1962) o desenvolvimento de uma teoria que se confronta, também, diretamente com a perspectiva do entendimento positivista, idealista e sensível. Em sua apresentação, Bachelard afirma que a experiência construída, a experiência onde aparece o trabalho do indivíduo, ela contradiz a experiência comum ou sensível, dos olhos, da relação e do ideal.
Para Bachelard o entendimento formado pela experiência comum é uma experiência que se dá na justaposição ou na observação justaposta. Uma experiência que não é construída, uma experiência sem a participação do indivíduo (BACHELARD, 1996).
Bachelard compreende que a experiência concreta deve se afastar da observação, do esclarecimento, ela deve ter a marca do seu autor. A formação do entendimento concreto, na perspectiva bachelardiana, dá-se contra o entendimento primeiro, destruindo concepções anteriores malformadas, superando a este que aparece cheios de obstáculos epistemológicos (BACHELARD, 1996).
Segundo Bachelard, é necessário, primeiramente, saber formular problemas, mas uma formulação que não procede da espontaneidade, mas sim do trabalho, da atividade da ciência sobre o real concreto (BACHELARD, 1996).
É nesse sentido que Bachelard tenta chegar a uma nova compreensão sobre a construção da capacidade de julgar, um entendimento que se origina no trabalho daquele que participa diretamente sobre a realidade do mundo. Segundo sua perspectiva, toda atividade do indivíduo procede do trabalho de problemas materiais. Nada é gratuito, nada é evidente, tudo é produto do trabalho do indivíduo sobre a realidade concreta (BACHELARD, 1996).
Bachelard rompe com a concepção de naturismo, bem como, com a ideia de gratuidade. Coloca o pesquisador como autor da produção do conhecimento. Condição que Marx reivindica em oposição aos idealistas e a teoria do esclarecimento.
Na concepção bachelardiana o entendimento não pode compreender a matéria pela observação como desejava o método positivista, mas pela competência de um entendimento que se constrói no trabalho sobre ela, um trabalho de manipulação e transformação das condições reais de existência. A matéria, para Bachelard, passa a ser um pretexto para a condição de trabalho do homem e a via de progresso da capacidade mental. Bachelard defende a posição de que o entendimento deve se formar no instante em que se enfrenta a realidade concreta, o real concreto (teoria). (BACHELARD, 2001).
O homem que utiliza bem a capacidade de julgar, a partir do aprendizado do novo método de produzir ciência, a primeira visão, ou a visão do fenômeno no instante de sua aparição, não pode oferecer o sentido, e ou significado exato do objeto. Bachelard conclui que o primeiro momento do visto não capacita o indivíduo a ter descrição bem ordenada e hierarquizada.
O objeto que se dá na claridade com seu anunciar e sua complexidade evidente, colorido, cheio de atrativos que leva a sedução; a nova ciência o compreende como obstáculo epistemológico. Neste caso, o entendimento tem menos compreensão do que conhece. Constrói-se assim, uma faculdade que apenas certifica-se da existência, sem, no entanto, ter a devida compreensão. A única compreensão existente é da possibilidade de selecionar e classificar, o que leva a constatar a existência de uma realidade imprecisa, fixada numa imagem pitoresca, a imagem dada em suas múltiplas variedades, firmada na hipótese não verificada, fundada mais na crença e nas múltiplas imagens oferecidas (BACHELARD, 2001).
Bachelard procura pontuar uma faculdade que se forma na perspectiva da luz de uma nova ciência. Aquela construída e que julgar na dimensão do trabalho, na luta contra o pitoresco, contra as ideias, contra a sensibilidade, contra as analogias e metáforas, não permitindo que a contemplação ou a explicação tome o lugar do trabalho sobre o real. Nesse aspecto, a construção de um novo entendimento deve priorizar o trabalho do contra, contra tudo que é aparente, que é representação. Com isso, o conhecimento deixa de ser produto do aparente, das ideais vazias, do claro, para ser produto do labor do trabalho crítico das condições reais de materialidade que lhe deram origem. O entendimento que se constrói no trabalho crítico, difere do entendimento instruído pelo aparente (BACHELARD, 2001).
A faculdade do entendimento elaborada a partir do trabalho crítico consegue revirar os problemas, variá-los uns contra os ostros o que leva a progressão do conhecimento. Este trabalho tem contra si, e que precisa superar, as convicções primeiras, que são convicções humanas. Convicções iniciais que são fundadas em certezas imediatas, do certo e da crença no verdadeiro (BACHELARD, 2001).
A capacidade primeira de julgar, produzida pela experiência primeira se alimenta nas convicções humanas, como: paixões, crenças e desejos inconscientes. Uma mente estimulada na primeira experiência que se baseia em informações distorcidas e imprecisas, e que traz para si momentos confusos da realidade material (BACHELARD, 2001). Torna-se necessário lutar contra essas forças simbolizantes, efetivadoras de crenças, de certezas que antecedem à realidade construída, e que estão alojadas no inconsciente, e que predominam na forma de ideologias.
Atentando para a via epistemológica bachelardiana, percebe-se que a oposição de Marx sobre as concepções tradicionais de entendimento ajuda a desprender o homem histórico de tradições dominantes utópicas o que irá favorecer a contemporaneidade no sentido de avançar sobre a formação mental do entendimento, o que possibilita chegar ao debate sobre questões éticas importantes do processo de sustentação da vida (MARX, 2007).
O primeiro ato histórico para a construção do entendimento começa, segundo Marx, na satisfação ligada diretamente a questão das necessidades que orientam a vida material. Esse ato é, exatamente, um ato cuja finalidade é a vida. Na vontade de satisfação vão aparecer novas necessidades que comporão o primeiro ato histórico (MARX, 2007).
Na perspectiva materialista passa-se a conhecer a formação de um juízo que se constrói em bases materiais que tem como pressuposto a ação do homem sobre a natureza e nas relações sociais. Este conhecimento valoriza as ações e relações envolvendo natureza e indivíduos, que lidam com as condições de necessidade e sustentação da vida. Nesta perspectiva, Marx aponta para um conhecimento que se forma levando em consideração o conflito, produto da contaminação do espírito com a matéria (MARX, 2007).
O conflito materialista é fruto de uma linguagem que nasce no carecimento das necessidades de transformação e troca. Tal concepção leva a crer que o entendimento desde cedo já se constrói nessas relações sociais e na ação do homem sobre a natureza. Marx, condenando a questão do idealismo e do esclarecimento, afirma que tanto um como o outro produz um mero entendimento do meio sensível, imediato, possuindo um vínculo limitado com coisas (MARX, 2007).
Com a consolidação da ação sobre a natureza e relações sociais, a capacidade de estabelecer juízo valoriza o trabalho material e espiritual. Este fato conduz a imaginação distinguir a diferença entre o entendimento que vem da ação, campo da realidade concreta e aquele que representa algo fora do real concreto. Ao discernir esta diferença o entendimento promove a sua emancipação do mundo e cria teorias (MARX, 2007).
Marx entende que a identificação da materialidade é a comprovação da minha existência no mundo. Uma existência que se dá no conflito, uma certa relação determinada com a natureza, fomentada na forma de sociedade e individualismo (MARX, 2007). Neste aspecto surge a identidade, produto de uma relação entre natureza e homem, e sociedade. Uma existência construída a partir da relação entre os homens em sociedade que condiciona a relação com a natureza. 
O entendimento como segundo momento da apreensão da natureza e da sociedade, mesmo que esteja em contradição com as relações existentes, pelo fato das relações sociais existentes estarem em contradição com as forças produtivas, a identificação desta contradição será possível por este entendimento teórico, o que não acontece com a observação, a sensibilidade e a perspectiva ideal.
O método que Marx se utiliza de premissas que não permitem arbitrariedade, nem crenças, são os indivíduos reais e a ação desses sobre as condições materiais de existência, ou seja, premissas verificáveis (MARX, 2007).
Diante desta investigação, o primeiro estado real que Marx encontra é constituído pela existência corporal dos indivíduos e as relações que esse desenvolve. Marx não se preocupou, propriamente, com a constituição física do homem ou das condições naturais, geológicas, orográficas, hidrográficas, climática e outras que foram dadas já elaboradas. Mas que a historiografia deve partir das bases naturais e da modificação causada pelos homens no decurso da produção histórica (MARX, 2007).
A construção da capacidade de julgar dos homens sobre a base de como produzem os seus meios de sobrevivência depende em primeiro lugar da natureza, dos meios de existência, mas que não é uma mera reprodução da existência física dos indivíduos.  Mas, um modo determinado de tais indivíduos, uma forma determinada de vida, um modo de vida determinado.
É justamente neste campo que se pode perceber a prática de como os indivíduos manifestam o seu comportamento expondo aquilo que conhecem. O que conhecem coincide com a sua produção: tanto o que produzem como a forma como produzem. Um entendimento que revela a dependência das condições materiais de existência, que vão revelar os tipos de relações condicionadas de produção (MARX, 2007).
Analisando essa questão em âmbito globalizado, os diferentes tipos de relações entre nações dependem da condição de formação do juízo que se revela a partir das forças produtivas, da divisão de trabalho e dessas relações internas; princípio universal historicamente conhecido. Nisto, torna-se real que o grau de desenvolvimento do entendimento procede do grau da divisão do trabalho.
Dentro desta perspectiva material as ideias produzidas e que se integram a questão moral, estão ligadas diretamente à atividade material e as relações comerciais materiais entre os homens. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens, emanam diretamente da dimensão material, bem como as leis, a política, a moral, a religião e outras situações. Todas essas produções são executadas pelo julgamento do entendimento dos homens que produzem as suas verdades, verdades materiais e históricas. Estes são os homens reais, atuantes que foram levados por forças produtivas e modo de relações.
O entendimento nunca é mais do que o ser que entende, esse ser que se concretiza no processo da vida real. O entendimento não desceu do céu para a terra, pelo contrário, ele parte da terra para o céu. A faculdade do entendimento real concreto, não parte daquilo que os homens dizem, imaginam e pensam, nem do que são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação para se chegar ao concreto da vida real. Mas parte do processo de vida real que julga e representa o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões deste processo vital (MARX, 2007).
Nenhum julgamento pode vir antes da história da produção material. Não é o entendimento das coisas que determina a vida, mas, sim, a vida que determina o entendimento. Este modo como o assunto é levado não é desprovido de pressupostos, mas parte de premissas reais. Essas premissas são os homens apreendidos no seu processo de desenvolvimento real em condições determinadas e visíveis empiricamente. A história deixa de ser uma coleção de fatos sem vida, como apresentam os empiristas para se tornar a história concreta das ações dos homens nas suas relações materiais vitais (MARX, 2007).
Não há uma libertação do entendimento baseada simplesmente na dissolução de uma consciência de si... pelo fato de não ser possível levar a cabo uma libertação real sem ser no mundo real e através de meios reais. Como, também, não se pode abolir escravos sem instrumentos materiais, nem a servidão sem aperfeiçoar a agricultura. Os homens não poderão estabelecer um julgamento real do mundo, da vida enquanto não estiverem aptos a produzirem seus alimentos e satisfazerem suas necessidades de moradia e vestuário de modo perfeito (MARX, 2007). A formação de um novo entendimento passa a ser um fato histórico e não intelectual. Uma libertação provocada por condições históricas de produção material envolve o progresso da indústria, do comércio, da agricultura em virtude dos seus diferentes estádios de formação.
Levando em conta estes questionamentos, infere-se que o primeiro fato histórico que possibilita a formação de um entendimento real do indivíduo é a produção dos meios que permitam satisfazer as necessidades, a produção da vida material. Trata-se de uma condição fundamental de toda história a fim de manter os homens vivos. Mesmo quando a realidade material se reduz a um pedaço de madeira, essa realidade implica na existência da atividade que produziu o pedaço de madeira.
Considerações finais 
Levando-se em as considerações feitas neste trabalho, pode-se chegar a algumas conclusões, sem, no entanto, esgotar o assunto, mas trazendo questão importantes para o debate sobre as condições dos homens concretos em seu habitar, no sentido de se compreender o valor desses que se educam a partir de uma realidade concreta que se tornam parte importante no processo de transformação, exercendo julgamentos e critérios de desenvolvimento social a partir da sua própria realidade vivida.
Entendemos que a proposta levanta problemas que se tornam importantes na discussão epistemológico, como: 1) Que tipo de sociedade a nossa educação deseja criar já que a mesma não permite que o indivíduo lide com questões concretas. 2) Por que não se permite que a educação atinja o seu verdadeiro objetivo nas relações sociais concretas e na preparação de indivíduos capazes de julgar e formar critérios de mudança justos? Tais questões são importantes no debate epistemológico para a formação de um novo entendimento, já que existe indicação que aponta para a necessidade de um conhecimento que tenha afinidade direta com a formação de uma mente que julgue e estabeleça critérios que vão de encontro as condições de necessidades materiais dos homens concretos.
Sendo assim, posso avaliar que esta discussão sobre a capacidade do indivíduo enquanto capacidade de estabelecer juízos, nos alerta para a possibilidade de construirmos uma sociedade que tenha afinidade com a vida, com a justiça, com a valorização do trabalho em concordância com as necessidades dos indivíduos, a fim de se ter uma sociedade mais justa e menos selvagem.

Referências bibliográficas
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BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma         psicanálise do conhecimento. Tradução: Esteia dos Santos Abreu. - Rio de Janeiro/RJ. Contraponto, 1996.
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