A HISTÓRIA E A QUESTÃO DO ENTENDIMENTO EM EDUCAÇÃO Luiz Dias do Nascimento Filho - Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ – NUCLEO DE ESTUDO E PESQUISA EPISTEME
A intenção deste trabalho
nasceu do interesse pela discussão focada na possibilidade de existir um entendimento
que ultrapasse o domínio de critérios tradicionais de compreensão do mundo.
Critérios baseados em concepções de realidade idealista e ou realidade
esclarecida. Métodos que entendem ser possível emancipar o homem histórico.
Sendo assim, propõe-se trazer para o debate a questão do entendimento fundada
na perspectiva de história de Marx, levando-se em conta a produção do conhecimento
e a prática de ensinar dentro de uma abordagem epistemológica materialista.
Entende-se que a perspectiva de Marx levanta questões importantes sobre o
entendimento, sobre práticas pedagógicas que devem ser pensadas, devendo ser
consideradas no seu valor em relação a vida. Esta proposta se torna relevante
por ter como objetivo considerar as investigações de Marx sobre o entendimento,
tendo como base a história e o avanço dessa na relação de produção material.
Introdução
O
tema deste trabalho parte do pressuposto da crítica de Karl Marx ao pensamento
idealista e sensível; teorias que valorizam a tradição dos jovens hegelianos e
do pensamento de Feuerbach. Nossa intenção é conhecer como Marx rompe com
esses procedimentos reconhecidos como verdadeiros e hegemônicos pela tradição e
nos conduz a uma nova perspectiva de entendimento.
Valorizou-se
a crítica de Marx como crítica que é capaz de produzir questões importantes
sobre a prática dos indivíduos históricos contrária ao pensamento inatista e a
doutrina da valorização do conhecimento pela sensibilidade, particularmente a
doutrina hegeliana do ideal, fundada em abstrações imaginativas como tentativa
de emancipar o indivíduo enquanto indivíduo de uma realidade idealista.
Tentaremos
verificar o pensamento de Marx pelo fato de reconhecermos que ele abre um
leque de discussões que julgamos relevante à formação do entendimento, ou seja, a essa capacidade de avaliar os indivíduos e as coisas; julgar, estabelecer juízos que
ultrapassam as abordagens epistemológicas tradicionais e que se firma na ação do trabalho
material, fora de utopias inatistas e esclarecidas. Buscaremos chegar ao teor da discussão em que
Marx, de algum modo, esclarece sobre a possibilidade do aparecimento de um
entendimento construído em bases concretas, para além de concepções não
seguras, mas como produto de uma realidade material, construída na ação do
indivíduo sobre a matéria, sobre a natureza e nas relações sociais.
Entende-se
que esta questão se torna importante por trazer revelações interessantes que
possibilitam superar verdades tradicionais dominantes, e que leva a romper o
domínio das concepções utópicas não confiáveis. A proposta deste trabalho
torna-se relevante por se acreditar ser possível chegar a formação de
um novo entendimento que avalie, julgue a partir de novos critérios de
juízos. Com isso, entende-se ser
possível superar a faculdade dos juízos construídos em cima de
doutrinas do esclarecimento e inatista que desprezam dimensões materiais
históricas correspondentes à realidade da vida material. Entendemos que a via do
materialismo histórico poderá nos conduzir a uma dimensão de um entendimento que se
dá fora dos trâmites tradicionais e que leva a um julgamento que se
constrói na ação sobre a natureza e nas relações sociais, na ação
transformadora em que o indivíduo participa diretamente da transformação.
Karl
Marx e a questão do entendimento
A
discussão sobre a construção do entendimento sempre foi de interesse da ética
para chegar a um resultado concreto sobre a realidade objetiva e a vida.
Jon
Locke (1632-1704) preocupado em formular as condições do entendimento, leva em conta as
atividades racionais. Para Locke, o
entendimento, assim como os olhos não conhecem a si mesmos, mas por um esforço em situá-los à distância, é possível fazer deles o seu próprio objeto (LOCKE, 1999). Locke
estabelece o método de considerar determinadas faculdades apenas como possíveis
de discernir, e a partir de então estudá-las se utilizando dos objetos que lhes
dizem respeito.
Locke
considera que se pudermos descobrir até onde é possível chegar a formação do
entendimento, até onde suas conclusões alcançam a certeza, e em quais casos ele
pode apenas julgar e adivinhar, saberemos como nos contentar com o que é
alcançável por nós nesta situação (LOCKE, 1999). Locke diz que a maneira como adquirimos o conhecimento
constitui suficiente prova de que ele não é inato. Afirma que o conhecimento não se
encontra naturalmente impresso na mente porque não é conhecido pelas crianças e idiotas, etc. Locke procura afirmar que a capacidade é inata, mas o
conhecimento não. Ele parte do princípio de que os homens têm princípios
práticos opostos. (LOCKE, 1999)
Segundo
Locke (1999), falando da capacidade inata, ele diz que basta olhar para a
condição de ser possível investigar cuidadosamente a história da humanidade,
levando em consideração as várias tribos de homens e suas indiferentes ações, será possível convencer-nos de que os princípios norteadores dessas atividades
são designadas por um princípio universal ou regra que pode ser considerada
absoluta. Por exemplo, a ideia em Locke é produzida no
entendimento, mas não é inata e nem do trabalho material, mas, sim, de uma
pessoa que pensa, esse ato de pensar engloba as possíveis potencialidades do
entendimento (LOCKE, 1999). A ideia para Locke significa também os fantasmas
provenientes dos sentidos, como lembranças, imagens, noções, conceitos
abstratos. Compreende que as fontes de todo entendimento provem da experiência
sensível e as reflexões, condições potenciais inatas. Apesar da experiência
sensível e a reflexão não constituírem propriamente conhecimento, são
potencialidades que nutrem o entendimento com os materiais que possibilitam
chegar a um determinado pensamento, o que chama de ideias. Locke compreende que
as ideias chegam ao entendimento por graus, fornecidas pelo momento da
experiência e da observação das coisas que aparecem ao indivíduo, e que não há
caracteres originais impressos no entendimento (LOCKE, 1999).
David Hume (1711-1776) filósofo, historiador, economista e ensaísta escocês,
conhecido principalmente por seu empirismo filosófico e ceticismo, contrapõe o pensamentos de Locke. Hume vai se
debruçar sobre o problema da formação do entendimento abordando diretamente a
questão moral. Hume (2015) desenvolve
sua teoria no confronto com o pensamento filosófico de Locke, no que conclui que a capacidade do entendimento se constrói na base da impressão. Propõe, assim,
que todo conhecimento deriva dos sentidos (HUME, 2015). As ideias que formam o entendimento, para
Hume, não são inatas, mas aparecem derivadas das impressões. Essas impressões
são oriundas de fatos e coisas que atingem o nosso psicológico ou percepção.
Dessas impressões acontecem as representações que são as ideias concebidas, que
se apresentam como deturpação da percepção bruta, original; reflexo do que foi
impresso em nossa psique (HUME, 2015). Hume entende que todas as ideias válidas
têm fundamento na impressão. Sendo assim, o entendimento de Hume tem como base
as impressões e as relações entre ideias em
forma de associações que dão origem a capacidade de estabelecer juízo (HUME,
2015).
Contrariando essas perspectivas de entendimento, no período de 1798-1857, Augusto Comte revindica a formação de um
juízo que se forma a partir da observação. O que deu início a Filosofia Positiva,
nos seus diferentes postulados, priorizando a ordem e o progresso. Comte, constata que este entendimento se
instala na história como um positivismo social. Ele nasce na exigência de se
construir um conhecimento voltado para a formação de nova ordem social e
religiosa. A ordem, segundo Comte, coopera com o progresso baseado na condição
concreta. Essa proposta filosófica positiva coopera de forma direta para o
nascimento de um entendimento que prioriza a questão técnico-industrial do
período moderno e exalta o otimismo da origem do industrialismo (ABBAGNANO,
1970).
Na
formação desse entendimento sobre a existência de um mundo que se oferece, o
positivismo estende o conceito de progresso a todo universo das diferentes
compreensões. Faz valer em todas as áreas o sentido dos resultados do trabalho
consciente. A capacidade de estabelecer
juízos, nesse novo modo de pensar, passa a ser a única via capaz de oferecer
compreensão a todo ramo da vida, o único meio possível de adquirir novos
paradigmas sociais (RIBEIRO, 1994).
O
positivismo deixa de ser o entendimento adquirido em bases interpretativas e da
imprudência para se tornar puramente explicativo, que prioriza a neutralidade e
a exatidão. Produz um modo de fazer juízos apoiado na explicação dos fatos e
nas suas relações constantes, fundadas expressamente em leis, criando uma
compreensão que valoriza apenas o juízo sobre as descobertas e previsões
(RIBEIRO, 1994)
Comte,
no “Sistema”, demonstra que o entendimento criado pelo método positivo
desenvolve leis sociais e verifica as consequências dessas. Consegue, assim,
elaborar um sistema político-religioso que tem como objetivo reformar o
entendimento de sociedade com relação às coisas, a natureza e a religião. Ele
se volta para o mundo real, ou seja, o mundo oferecido, o mundo apresentado de natureza social. A partir dessa via, entende que um vasto campo de
pesquisa, valorizando a observação, abre-se para o trabalho (RIBEIRO,1994).
Dessa
forma, surge um entendimento que prioriza um programa universal cujo objetivo é
regulamentar e regenerar a vida humana no âmbito do privado e do público. Com
essa filosofia, Comte se posiciona num embate contra o ontologismo aristotélico,
contra o racionalismo e contra todos os sistemas que priorizam o conhecimento
absoluto possíveis à razão (RIBEIRO,1994).
Nesta
perspectiva, parece que Comte deixa compreender que o entendimento produzido,
apenas, pela razão não é possível de ser validado a não ser os fenômenos, bem
como suas relações. Segundo pensa, a razão não tem condições de chegar até a
essência, ou as causas íntimas, por serem questões que se apresentam como
impenetráveis.
O
positivismo insiste em desprezar todas as determinações provenientes das
causas. Ele valoriza as leis que devem ser percebidas nas relações efetivas
entre os fenômenos. Nessa perspectiva substitui o que é a priori pelo
posteriori. O mundo não é mais o inventado pela imaginação e sim o descoberto
pela observação de todas as partes (COMTE, 1991).
Nesta
perspectiva, torna-se a atividade do entendimento apenas o de sistematizar, do
bom senso. Esta condição leva o pesquisador a ser um espectador de fenômenos
exteriores, ele observa como se dão na relação.
A
postura dessa teoria se efetiva a partir da oposição contra o quimérico, como
também contra a incerteza das hipóteses: aquilo que é vago, absoluto,
inorgânico e intolerante.
Tem
como base o genético indutivo, ou seja, primeiramente se prende ao fato, em
segundo a indução, valorizando leis de coexistência e de sucessão, especulando
a partir dessa base a existência de novos fatos que escaparam à observação
direta, detectados pela experiência (COMTE, 1991).
O
entendimento que tem como base a realidade natural social não procura a ação do
homem na sua relação com o mundo, nem com seu semelhante, como também não se
interessa pelas causas íntimas. Antes, prende unicamente à descoberta e à
combinação de leis, leis invariáveis, e às relações invariáveis de sucessão e
semelhança. Porém, por outro lado, Comte admite uma lei fundamental, uma lei
que se divide em três estados, por ser o modo como o pensamento ocorre, o que o
leva a fundar a base de sua doutrina pela explicação na história (COMTE, 1991).
Foi
o meio que encontrou para conhecer a importância da história no desenvolvimento
do entendimento humano. Os três estados são assim representados: Teológico,
Metafísico e, por fim, o Positivo. Nessa compreensão fica claro que a
capacidade de estabelecer juízos passa por estados, constituindo uma verdadeira
consciência apenas quando alcança o Estado Positivo. Tanto a sociedade como os
indivíduos estão submetidos a passarem por esse processo de evolução mental
(RIBEIRO,1994).
O
Estado Positivo está tão preso à natureza que descarta qualquer possibilidade
de conhecimento fora do seu contexto. Nele só é valido o que pode ser visto.
Torna-se necessário que as coisas estejam presentes de modo concreto. Com isto,
ao se colocar como o verdadeiro entendimento sobre o mundo e a sociedade,
descarta a ação do indivíduo no mundo (COMTE, 1991).
O
espírito positivo, prima pela classificação dos fenômenos, em última análise,
em busca do semelhante. Esse processo classificatório é um modo de reunir tudo
que possui semelhança. Os fenômenos, nessa perspectiva, necessitam de ser
colocados juntos para que haja entendimento (julgamento) de uma situação
complexa. Noutro momento, o Positivismo busca, também, a generalização que se
situa na afirmação probabilística, e não na certeza absoluta. Nessa metodologia
a causa não é tida como solitária e absoluta, seja na origem ou no fim, mas
como combinação relacional causa e efeito. Com isso, nunca se pode ter uma
certeza absoluta do que se observa, mas apenas probabilidades (COMTE, 1991).
O
entendimento se estabelece no estado de probabilidade. Esta prática científica
passa, então, a ser considerada como um processo de evolução contínua, evolução
essa que se dá pela acumulação de informações, adotando para si uma prática
meticulosa, coerente de verificação. O entendimento positivo alicerçou-se em
três momentos fundamentais: a história, a classificação das ciências positivas
e finalmente a sociologia. Surgindo desse momento, o Estado Positivo que é um
estado que submete a imaginação e a argumentação aos caprichos da observação
(GIANNOTI, 1983).
Foi
no fervor dessas discussões sobre a capacidade de julgamento do homem que em
1818 – 1883 surge Karl Marx como filósofo revolucionário. Sua filosofia exerceu
influência em várias áreas do conhecimento, tais como Sociologia, Política,
Direito, Teologia, Filosofia, Economia e outras. O pensamento de Marx rompendo
com as cadeias do idealismo e da sensibilidade, utilizando-se de uma análise
histórica do homem, traz a oportunidade de se conhecer uma
nova concepção de entendimento no debate filosófico, refutando, assim, as
teorias idealistas e do esclarecimento.
Fazendo-se
uma análise sobre as condições históricas do homem a partir de uma concepção
primitiva de se achar no mundo, verifica-se que essa condição se torna a primeira forma de
aproximação do homem histórico do seu habitar. Um se achar não somente com os
olhos, mas com todas as condições de indivíduo histórico. Este modo primitivo
de se achar no mundo, desenvolve e pluraliza atividades materiais que
possibilitam organizar e preservar a vida, o que faz aparecer às condições
reais de vida.
Marx
percebe que a realidade material alimenta as condições de vida, criando,
assim, o conhecimento real sobre a vida, sobre os homens e suas relações
históricas com a materialidade da natureza e com seu semelhante. Marx, verifica que
desde cedo o mundo material com suas determinações possibilita aos homens a
criação e o aperfeiçoamento de mecanismos específicos de manutenção da sua
própria existência e das relações sociais. Desta forma, o trabalho material vai
se constituir a base da organização mental dos homens (MARX, 2007). Parece que
nesta via é possível conhecer o homem e o progresso das ações transformadoras,
das relações com a natureza e com o semelhante, bem como, o potencial de julgar
e estabelecer juízos, condição que se torna instrumento de sustentação da vida.
Marx,
numa franca oposição aos jovens hegelianos e ao mundo sensível, leva esta
questão dos juízos aos seus fundamentos. Acusa os Jovens Hegelianos de terem
criticado os indivíduos por formarem ideias falsas sobre si mesmo, sobre o
mundo e sobre o que deveriam ser, mas valorizam como princípio do entendimento,
a essência do homem (MARX, 2007). Esta forma de julgamento, segundo a leitura
que se pode fazer sobre os textos de Marx, está fora da realidade dos
indivíduos reais, por se tratar de uma realidade ideal, sobrenatural e sensível
(MARX, 2007).
A
discussão do materialismo indica que o caminho para um entendimento real,
concreto deve ser fundado na via epistemológica que valoriza a ação do homem
sobre a matéria e nas suas relações sociais, e não na ideia ou sensibilidade.
Marx busca um conhecimento que se apresente ou se manifeste nos seus processos
materiais em que o homem participa dele através do seu trabalho (MARX, 2007).
Torna-se
possível, na perspectiva materialista, buscar diferentes explicações da
dinâmica social do homem, do mundo o que leva a identificação de uma faculdade
que julga e esclarece diferenças (MARX, 2007). A matéria é que dá ao homem as
condições de realidade e do diferente, por ele está inserido nessa natureza
material, ou seja, nos seus aspectos diferenciáveis. O homem marxista constrói sua
capacidade de julgar e estabelecer juízos no âmbito da ação sobre a matéria, no
conflito, no trabalho dialético com a realidade material.
Percebe-se
que a perspectiva de Marx contraria as dos Jovens Hegelianos, que compreendem
que o entendimento é produto de ideias que determinam as relações entre os
homens como: seus gostos, as suas cadeias e os seus limites (MARX, 2007).
Parece que há uma proposta junto aos Jovens Hegelianos em substituir o
entendimento fantasioso pelo entendimento formado a partir da crítica das ideias
essenciais. Essa concepção de entendimento beneficia diretamente o trabalho
burguês que via nessa formação a possibilidade de se firmar na dominação (MARX,
2007).
Em
Feuerbach, parece que a sua teoria sobre a formação do entendimento, ou seja, a
capacidade de avaliar os indivíduos e as coisas, apesar de buscar no material
sentido para as coisas, privilegia o campo sensível. Marx entende que
Feuerbach, apesar de trabalhar com a materialidade, valoriza o campo sensível.
Para Feuerbach, acusa Marx: as coisas, a realidade, o mundo sensível é tomado
apenas sob a forma do objeto ou da contemplação e não da atividade material
(MARX, 2015). A teoria do entendimento de Feuerbach prioriza a busca de objetos
sensíveis distintos dos objetos do pensamento, fora da atividade da ação do
homem sobre a matéria.
Feuerbach
deixa de fora o significado da atividade transformadora da prática, enquanto Marx
afirma que é na prática que o homem tem como comprovar a construção da
capacidade de julgar fora de um sentimento.
O
entendimento real, concreto da realidade e do poder surgem na materialidade, é
nesta que aparece a existência de um entendimento real concreto, perspectiva
materialista (MARX, 2015).
Para
Marx, as circunstancias de construção do entendimento são precisamente causadas
pela atividade dos homens na transformação da natureza que o educador tem que
ser constantemente educado (MARX, 2007). Marx, parte do princípio de que o
entendimento está sempre em construção mediante as atividades do homem
histórico. Nesta atividade os indivíduos criam novas circunstancias que impõe
mudanças. Com essas afirmações pode-se compreender que, na perspectiva de Marx,
o entendimento como faculdade do conhecimento é produto da atividade ou do
trabalho do homem sobre a natureza, sobre a matéria (MARX, 2015).
O
que fica claro é que não basta ter um entendimento do mundo de maneiras
diferentes, mas um entendimento baseado nas atividades transformadoras do mundo
que sempre são revolucionárias. Por este motivo, Marx critica a construção do
entendimento epistemológico de Feuerbach alegando a insuficiência deste
procedimento materialista que considera as coisas, a realidade, o mundo
sensível tomado como forma de objeto ou da contemplação, em vez de valorizar a atividade
sensível material não subjetiva (MARX, 2015). Segundo as afirmações de Marx, é
necessário que percebamos que a mudança ou o desenvolvimento do entendimento
aconteça das circunstâncias e das atividades humanas que aparecem como processo
revolucionário sobre a matéria (MARX, 2007).
Acompanhando esta discussão sobre a formação do entendimento, encontramos em Gaston
Bachelard (1884-1962) o desenvolvimento de uma teoria que se confronta, também,
diretamente com a perspectiva do entendimento positivista, idealista e sensível. Em sua apresentação, Bachelard afirma que a experiência construída, a experiência onde aparece o
trabalho do indivíduo, ela contradiz a experiência comum ou sensível, dos olhos,
da relação e do ideal.
Para
Bachelard o entendimento formado pela experiência comum é uma experiência que
se dá na justaposição ou na observação justaposta. Uma experiência que não é
construída, uma experiência sem a participação do indivíduo (BACHELARD, 1996).
Bachelard
compreende que a experiência concreta deve se afastar da observação, do esclarecimento,
ela deve ter a marca do seu autor. A formação do entendimento concreto, na
perspectiva bachelardiana, dá-se contra o entendimento primeiro, destruindo
concepções anteriores malformadas, superando a este que aparece cheios de
obstáculos epistemológicos (BACHELARD, 1996).
Segundo
Bachelard, é necessário, primeiramente, saber
formular problemas, mas uma formulação que não procede da espontaneidade, mas
sim do trabalho, da atividade da ciência sobre o real concreto (BACHELARD,
1996).
É
nesse sentido que Bachelard tenta chegar a uma nova compreensão sobre a
construção da capacidade de julgar, um entendimento que se origina no trabalho
daquele que participa diretamente sobre a realidade do mundo. Segundo sua
perspectiva, toda atividade do indivíduo procede do trabalho de problemas
materiais. Nada é gratuito, nada é evidente, tudo é produto do trabalho do
indivíduo sobre a realidade concreta (BACHELARD, 1996).
Bachelard
rompe com a concepção de naturismo, bem como, com a ideia de
gratuidade. Coloca o pesquisador como autor da produção do
conhecimento. Condição que Marx reivindica em oposição aos idealistas e a
teoria do esclarecimento.
Na
concepção bachelardiana o entendimento não pode compreender a matéria pela
observação como desejava o método positivista, mas pela competência de um
entendimento que se constrói no trabalho sobre ela, um trabalho de manipulação e transformação das condições reais de existência. A
matéria, para Bachelard, passa a ser um pretexto para a condição de trabalho do
homem e a via de progresso da capacidade mental. Bachelard defende a posição de
que o entendimento deve se formar no instante em que se enfrenta a realidade
concreta, o real concreto (teoria). (BACHELARD, 2001).
O
homem que utiliza bem a capacidade de julgar, a partir do aprendizado do novo
método de produzir ciência, a primeira visão, ou a visão do fenômeno no
instante de sua aparição, não pode oferecer o sentido, e ou significado exato
do objeto. Bachelard conclui que o primeiro momento do visto não capacita o
indivíduo a ter descrição bem ordenada e hierarquizada.
O
objeto que se dá na claridade com seu anunciar e sua complexidade evidente,
colorido, cheio de atrativos que leva a sedução; a nova ciência o compreende
como obstáculo epistemológico. Neste caso, o entendimento tem menos compreensão
do que conhece. Constrói-se assim, uma faculdade que apenas certifica-se da
existência, sem, no entanto, ter a devida compreensão. A única compreensão
existente é da possibilidade de selecionar e classificar, o que leva a
constatar a existência de uma realidade imprecisa, fixada numa imagem
pitoresca, a imagem dada em suas múltiplas variedades, firmada na hipótese não
verificada, fundada mais na crença e nas múltiplas imagens oferecidas
(BACHELARD, 2001).
Bachelard
procura pontuar uma faculdade que se forma na perspectiva da
luz de uma nova ciência. Aquela construída e que julgar
na dimensão do trabalho, na luta contra o pitoresco, contra as ideias, contra a
sensibilidade, contra as analogias e metáforas, não permitindo que a
contemplação ou a explicação tome o lugar do trabalho sobre o real. Nesse
aspecto, a construção de um novo entendimento deve priorizar o trabalho do
contra, contra tudo que é aparente, que é representação. Com isso, o
conhecimento deixa de ser produto do aparente, das ideais vazias, do claro,
para ser produto do labor do trabalho crítico das condições reais de
materialidade que lhe deram origem. O entendimento que se constrói no trabalho
crítico, difere do entendimento instruído pelo aparente (BACHELARD, 2001).
A
faculdade do entendimento elaborada a partir do trabalho crítico consegue
revirar os problemas, variá-los uns contra os ostros o que leva a progressão do
conhecimento. Este trabalho tem contra si, e que precisa superar, as convicções
primeiras, que são convicções humanas. Convicções iniciais que são fundadas em
certezas imediatas, do certo e da crença no verdadeiro (BACHELARD, 2001).
A
capacidade primeira de julgar, produzida pela experiência primeira se alimenta
nas convicções humanas, como: paixões, crenças e desejos inconscientes. Uma
mente estimulada na primeira experiência que se baseia em informações
distorcidas e imprecisas, e que traz para si momentos confusos da realidade
material (BACHELARD, 2001). Torna-se necessário lutar contra essas forças
simbolizantes, efetivadoras de crenças, de certezas que antecedem à realidade
construída, e que estão alojadas no inconsciente, e que predominam na forma de
ideologias.
Atentando
para a via epistemológica bachelardiana, percebe-se que a oposição de Marx
sobre as concepções tradicionais de entendimento ajuda a desprender
o homem histórico de tradições dominantes utópicas o que irá favorecer a
contemporaneidade no sentido de avançar sobre a formação mental do entendimento,
o que possibilita chegar ao debate sobre questões éticas importantes
do processo de sustentação da vida (MARX, 2007).
O primeiro ato histórico para a construção do entendimento começa, segundo Marx, na satisfação ligada diretamente a questão das necessidades que
orientam a vida material. Esse ato é, exatamente, um ato cuja finalidade é a
vida. Na vontade de satisfação vão aparecer novas necessidades que comporão o
primeiro ato histórico (MARX, 2007).
Na
perspectiva materialista passa-se a conhecer a formação de um juízo que se
constrói em bases materiais que tem como pressuposto a ação do homem sobre a
natureza e nas relações sociais. Este conhecimento valoriza as ações e relações
envolvendo natureza e indivíduos, que lidam com as condições de necessidade e
sustentação da vida. Nesta perspectiva, Marx aponta para um conhecimento que se
forma levando em consideração o conflito, produto da contaminação do espírito
com a matéria (MARX, 2007).
O
conflito materialista é fruto de uma linguagem que nasce no carecimento das
necessidades de transformação e troca. Tal concepção leva a crer que o
entendimento desde cedo já se constrói nessas relações sociais e na ação do homem
sobre a natureza. Marx, condenando a questão do idealismo e do esclarecimento,
afirma que tanto um como o outro produz um mero entendimento do meio sensível,
imediato, possuindo um vínculo limitado com coisas (MARX, 2007).
Com
a consolidação da ação sobre a natureza e relações sociais, a capacidade de
estabelecer juízo valoriza o trabalho material e espiritual. Este fato conduz a
imaginação distinguir a diferença entre o entendimento que vem da ação, campo
da realidade concreta e aquele que representa algo fora do real concreto. Ao
discernir esta diferença o entendimento promove a sua emancipação do mundo e
cria teorias (MARX, 2007).
Marx
entende que a identificação da materialidade é a comprovação da minha
existência no mundo. Uma existência que se dá no conflito, uma certa relação
determinada com a natureza, fomentada na forma de sociedade e individualismo
(MARX, 2007). Neste aspecto surge a identidade, produto de uma relação entre
natureza e homem, e sociedade. Uma existência construída a partir da relação
entre os homens em sociedade que condiciona a relação com a natureza.
O
entendimento como segundo momento da apreensão da natureza e da sociedade,
mesmo que esteja em contradição com as relações existentes, pelo fato das relações
sociais existentes estarem em contradição com as forças produtivas, a identificação
desta contradição será possível por este entendimento teórico, o que não
acontece com a observação, a sensibilidade e a perspectiva ideal.
O
método que Marx se utiliza de premissas que não permitem arbitrariedade, nem crenças, são os indivíduos reais
e a ação desses sobre as condições materiais de existência, ou seja, premissas
verificáveis (MARX, 2007).
Diante
desta investigação, o primeiro estado real que Marx encontra é constituído pela
existência corporal dos indivíduos e as relações que esse desenvolve. Marx não
se preocupou, propriamente, com a constituição física do homem ou das condições
naturais, geológicas, orográficas, hidrográficas, climática e outras que foram
dadas já elaboradas. Mas que a historiografia deve partir das bases naturais e
da modificação causada pelos homens no decurso da produção histórica (MARX,
2007).
A
construção da capacidade de julgar dos homens sobre a base de como produzem os
seus meios de sobrevivência depende em primeiro lugar da natureza, dos meios de
existência, mas que não é uma mera reprodução da existência física dos
indivíduos. Mas, um modo determinado de
tais indivíduos, uma forma determinada de vida, um modo de vida determinado.
É
justamente neste campo que se pode perceber a prática de como os indivíduos
manifestam o seu comportamento expondo aquilo que conhecem. O que conhecem
coincide com a sua produção: tanto o que produzem como a forma como produzem.
Um entendimento que revela a dependência das condições materiais de existência,
que vão revelar os tipos de relações condicionadas de produção (MARX, 2007).
Analisando
essa questão em âmbito globalizado, os diferentes tipos de relações entre
nações dependem da condição de formação do juízo que se revela a partir das
forças produtivas, da divisão de trabalho e dessas relações internas; princípio
universal historicamente conhecido. Nisto, torna-se real que o grau de
desenvolvimento do entendimento procede do grau da divisão do trabalho.
Dentro
desta perspectiva material as ideias produzidas e que se integram a questão
moral, estão ligadas diretamente à atividade material e as relações comerciais
materiais entre os homens. As representações, o pensamento, o comércio
intelectual dos homens, emanam diretamente da dimensão material, bem como as
leis, a política, a moral, a religião e outras situações. Todas essas produções
são executadas pelo julgamento do entendimento dos homens que produzem as suas
verdades, verdades materiais e históricas. Estes são os homens reais, atuantes
que foram levados por forças produtivas e modo de relações.
O
entendimento nunca é mais do que o ser que entende, esse ser que se concretiza
no processo da vida real. O entendimento não desceu do céu para a terra, pelo
contrário, ele parte da terra para o céu. A faculdade do entendimento real
concreto, não parte daquilo que os homens dizem, imaginam e pensam, nem do que
são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação para se
chegar ao concreto da vida real. Mas parte do processo de vida real que julga e
representa o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões deste processo
vital (MARX, 2007).
Nenhum
julgamento pode vir antes da história da produção material. Não é o
entendimento das coisas que determina a vida, mas, sim, a vida que determina o
entendimento. Este modo como o assunto é levado não é desprovido de
pressupostos, mas parte de premissas reais. Essas premissas são os homens
apreendidos no seu processo de desenvolvimento real em condições determinadas e
visíveis empiricamente. A história deixa de ser uma coleção de fatos sem vida,
como apresentam os empiristas para se tornar a história concreta das ações dos
homens nas suas relações materiais vitais (MARX, 2007).
Não
há uma libertação do entendimento baseada simplesmente na dissolução de uma
consciência de si... pelo fato de não ser possível levar a cabo uma libertação
real sem ser no mundo real e através de meios reais. Como, também, não se pode
abolir escravos sem instrumentos materiais, nem a servidão sem aperfeiçoar a
agricultura. Os homens não poderão estabelecer um julgamento real do mundo, da
vida enquanto não estiverem aptos a produzirem seus alimentos e satisfazerem
suas necessidades de moradia e vestuário de modo perfeito (MARX, 2007). A
formação de um novo entendimento passa a ser um fato histórico e não intelectual.
Uma libertação provocada por condições históricas de produção material envolve
o progresso da indústria, do comércio, da agricultura em virtude dos seus
diferentes estádios de formação.
Levando
em conta estes questionamentos, infere-se que o primeiro fato histórico que
possibilita a formação de um entendimento real do indivíduo é a produção dos
meios que permitam satisfazer as necessidades, a produção da vida material.
Trata-se de uma condição fundamental de toda história a fim de manter os homens
vivos. Mesmo quando a realidade material se reduz a um pedaço de madeira, essa
realidade implica na existência da atividade que produziu o pedaço de madeira.
Considerações
finais
Levando-se
em as considerações feitas neste trabalho, pode-se chegar a algumas conclusões,
sem, no entanto, esgotar o assunto, mas trazendo questão importantes para o
debate sobre as condições dos homens concretos em seu habitar, no sentido de se
compreender o valor desses que se educam a partir de uma realidade concreta que
se tornam parte importante no processo de transformação, exercendo julgamentos
e critérios de desenvolvimento social a partir da sua própria realidade vivida.
Entendemos
que a proposta levanta problemas que se tornam importantes na discussão
epistemológico, como: 1) Que tipo de sociedade a nossa educação deseja criar já
que a mesma não permite que o indivíduo lide com questões concretas. 2) Por que
não se permite que a educação atinja o seu verdadeiro objetivo nas relações
sociais concretas e na preparação de indivíduos capazes de julgar e formar
critérios de mudança justos? Tais questões são importantes no debate
epistemológico para a formação de um novo entendimento, já que existe indicação
que aponta para a necessidade de um conhecimento que tenha afinidade direta com
a formação de uma mente que julgue e estabeleça critérios que vão de encontro
as condições de necessidades materiais dos homens concretos.
Sendo
assim, posso avaliar que esta discussão sobre a capacidade do indivíduo
enquanto capacidade de estabelecer juízos, nos alerta para a possibilidade de
construirmos uma sociedade que tenha afinidade com a vida, com a justiça, com a
valorização do trabalho em concordância com as necessidades dos indivíduos, a
fim de se ter uma sociedade mais justa e menos selvagem.
Referências
bibliográficas
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Meste Jou, 1970
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Tradução: Antônio de Pádua Danesi. São Paulo/SP: Martins Fontes, 2001.
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Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
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(org.) Os pensadores. Augusto Comte.
Tradução de José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo: Nova Cultura,
1991.
HUME, David. Acerca do entendimento Humano.
Tradução: Anoar Aiex Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão
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LOCKE, Johm. Ensaio acerca do entendimento humano.
Tradução: Anoar Aiex. São Paulo/SP. Nova Cultural, 1999.
MARX, Karl, ENGELS,
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Tradução: Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano Cavini Martorano. São
Paulo/SP. Boitempo, 2007.
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sobre Feuerbach 1845. Escrito por Marx na primavera de 1845. Publicado pela
primeira vez por Engels, em 1888, como apêndice à edição em livro da sua obra
Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, Estugarda 1888, pp.
69-72. Publicado segundo a versão de Engels de 1888, em cotejo com a redação
original de Marx, Traduzido do alemão. Transcrito por Fred Leite Siqueira
Campos para The Marxists Internet Archive. Disponível em :
http://minhateca.com.br/action/SearchFiles. Acesso: 20/04/2015.
RIBEIRO, João. O que é positivismo. São Paulo:
Brasiliense, 1994. 15
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