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- Trabalhos de pesquisa nas diversas áreas das ciências humanas e outras.

21 de mar. de 2013

O REALISMO INGÊNUO E A PRODUÇAO EPISTEMOLÓGICA NO NOVO ESPÍRITO CIENTÍFICO, UMA CONTRIBUIÇAO AOS CURSOS DE PÓS-GRADUCÃO EM EDUCAÇÃO.


                                                                 Luiz Dias do Nascimento Filho  

               UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ

                                           Núcleo de Estudos e Pesquisa – EPISTEM

Eixo temático: Projeções e resultados de pesquisas científicas nas universidades

                                                                  e-mail: filhosaem@bol.com.br

 

 

 

RESUMO

 

Levando em consideração as investigações epistemológicas nos cursos de pós-graduação em educação, torna-se interessante, nesse momento, trazer para o debate as tendências metodológicas científicas fundadas em um realismo ingênuo e o seu objeto de estudo. Isto, pelo fato de se entender que a questão do realismo ingênuo se afirma nas condições do objeto dado que busca na neutralidade o seu fundamento de verdade; e que, precisa ser superado, o que leva a compreensão de que o objeto científico existe independente do sujeito. Ao levar em conta essa perspectiva científica, torna-se interessante buscar no novo espírito científico, numa perspectiva bachelardiana, um contraponto com o realismo ingênuo no sentido de apresentar alternativas para uma realidade epistemológica que se apresenta fora da experiência empírica, um real que não é explicado a partir da experiência, mas construído. Logo, o que se propõe no desenvolvimento deste trabalho, são os problemas do objeto da ciência e sua relação com o sujeito do conhecimento, pois os mesmos oscilam entre a noção de determinante e determinado. A discussão sobre esse problema epistemológico se torna relevante pelo fato de se verificar que as pesquisas nos cursos de pós-graduação em educação, quase em sua maioria, priorizam a positividade do objeto de estudo, o que valoriza, de certo modo, uma realidade que determina a produção do conhecimento.

 

Palavras-chave

Objeto – sujeito - realismo

 

INTRODUÇÃO

 

O tema geral desta pesquisa é a produção do conhecimento em educação. A nossa proposta foi, concretamente, examinar a contribuição de Gaston Bachelard (1884-1962) para a investigação, considerando, sua importância no processo de pesquisa em educação.

A intenção está voltada para uma nova metodologia de pesquisa que busque alternativa para uma investigação capaz de ultrapassar critérios tradicionais de ciência. Critérios que valorizam a concepção de conhecimento que privilegia o realismo-objetivo, o realismo-descritivo e o realismo-histórico, como “fonte da verdade”. Uma ciência orientada por uma realidade que instrui o sujeito, que leva este cognoscente a ser conduzido pelo real observado, o que leva à explicação do mundo, à análise e à descrição.

Pretende-se conhecer uma nova metodologia de pesquisa que aponte para uma alternativa de investigação capaz de ultrapassar os critérios tradicionais de produção do conhecimento. Critérios que privilegiam o realismo-natural como fonte da verdade. Uma ciência orientada pelo real que se oferece à atividade cognitiva.

Sem desconsiderar as ponderações já consolidadas, que se voltam para o exame do significado do processo epistemológico como um todo. Com Gaston Bachelard surgem novas formas de se fazer ciência, formas que trazem elementos novos que permitem repensar o processo de conhecimento.

A metodologia usada neste trabalho valorizou a pesquisa teórico-conceitual centrada no estudo da literatura produzida na área da Filosofia e da Educação. Especificamente. Foram investigadas as formas elaboradas sobre o significado de uma realidade que se apresenta como instruidora do sujeito na perspectiva de Gaston Bachelard.

 

O REALISMO E A PERSPECTIVA DE GASTON BACHELARD

Na concepção primitiva, o realismo-sensível se tornou o primeiro caminho de aproximação do homem do seu mundo. Uma prática que não só valorizou os olhos, mas todo o seu ser no universo. O que se pode entender como um processo que leva o indivíduo a ser um sujeito pensante no Cosmo, na Physis e na Polis. Este modo de se achar no mundo o indica como sujeito capaz de investigar a realidade que se oferece. Esse modo primitivo, de se “achar” no mundo, produz no homem modos de pensar que criam condições de sobrevivência. Ele se identifica em um universo e entende ser possível estabelecer uma comunicação com ele. Inicia assim, pelo que se pode entender, todo processo de conhecimento, uma relação passiva de aprendizagem com as coisas percebidas.

Desde cedo, o mundo com suas aparições provoca o homem a desenvolver e aperfeiçoar mecanismos específicos de sistematização de procedimento, o que redunda em focalizações e apreensões em torno do que lhe atrai. O sujeito do conhecimento, nessa atividade, passa a adquirir procedimentos que vão se constituir comportamentos básicos oriundos de estímulos mentais.

Partindo desse ponto de vista se pode trazer essa questão para o momento da produção do conhecimento no séc. XX que, em princípio se detecta duas visões de mundo que dominam a pesquisa em educação: a visão objetiva e a visão subjetiva, e uma terceira via que se contrapõem a estas duas inspirada nos marxistas, que aparece como desafio à hegemonia do realismo-empírico e a do realismo-idealista (SANTOS E GAMBOA, 2002).

Desse modo, na atividade científica, três vias surgem na tentativa de dar conta de um real que se apresenta e instrui a razão: a do realismo-positivista, que afirma ser a objetividade a possibilidade da observação distantes do pesquisador. O realismo que prioriza a neutralidade por separar fato e valor e o método que busca a explicação das causas da mudança nos fatos sociais por meio da medida e da análise cumulativa. Um procedimento que se prende à predição, o teste da hipótese e a generalização. Prática que tem como critério fundamental a fidedignidade ao objeto dado.

Ao levar em consideração a proposta do realismo-positivo, é possível entender que o conhecimento positivo se prende a toda doutrina que se atém à importância do que está presente, do certo, do efetivo, verdadeiro ou do que se afirma. Na realidade, o termo realismo-positivo ou positivismo, teve sua sistematização em Augusto Comte (1798 - 1857), ao propor um método para uma filosofia positiva. Os filósofos que seguiram Comte foram também chamados de filósofos positivos ou positivistas, como Stuart Mill, Spencer, Mach, Avenarius, Vaihinger e outros. A filosofia realista fundada nos pressupostos positivista enaltece o método único, no caso, o método positivo, entendido como único caminho possível de ser aplicado tanto na investigação dos fenômenos da natureza quanto na pesquisa sobre as manifestações da sociedade. Ou seja, o realismo-positivista se firma como método de investigação que se presta tanto para o conhecimento dos dados naturais quanto sociais. Para ele, a natureza e a sociedade se tornam conhecidas por leis invariáveis e universais. Entende que a verdade se apresenta por demonstração e que se torna verificável quando confrontada com o dado, limitando, assim, o conhecimento às informações sensoriais (MEKSENAS, 2002).

O realismo-positivista está preocupado com o objeto na sua positividade, para isso, reivindica a neutralidade na relação sujeito-objeto. Essa via elimina qualquer busca científica que se preocupe com a necessidade do homem. Ela reivindica para si o caminho capaz de chegar à verdade, por entender que o distanciamento entre sujeito e o objeto garante a neutralidade ao resultado da pesquisa (MEKSENAS, 2002). Com isto, pensa aproximar o homem do seu habitar, juntando o seu trabalho ao seu modo de sobrevivência no espaço e no tempo (TURA, 2003). Ele prioriza a observação e a sistematização, ou seja, a conduta e o procedimento que se realiza focalizados em torno da natureza. Estabelece, dessa forma, a relação de conhecimento na concretude natural (TURA, 2003).

Essa perspectiva epistemológica do realismo-positivista será confrontada e modificada pela segunda teoria, a do realismo-fenomenológico. Esta segunda teoria desloca o ato da explicação, para o da intenção e descrição, característica que demonstra a presença de um novo modo de compreensão da realidade.

Este realismo-fenomenológico se apresenta como uma perspectiva interpretativa, ele prioriza uma consciência aumentada. Para ele, o que importa é o homem como existência e não como fato. Esta fenomenologia valoriza o sujeito como um ser intimamente pessoal. Nesta perspectiva prevalece a idéia ou a noção de intencionalidade. Uma consciência formada na intencionalidade sobre o que é objetivo, acontecendo o aparecimento de uma consciência do objeto. Nesta nova concepção, o sujeito exerce a intencionalidade que busca descobrir e somar as qualidades ocultas, descaracterizando a simplificação da observação como entendia o realismo-positivista. O seu principio está em afirmar que não existe objeto sem sujeito (TRIVIÑOS, 1987).

A fenomenologia leva a atividade científica a ter maior valor em seu trabalho de investigação. Ela consegue superar a neutralidade entre objeto e sujeito. Ela entende que todo o universo da ciência depende do mundo vivido, ele tem um sentido e se precisa buscar o alcance deste (TRIVIÑOS, 1987).

A partir da atividade fenomenológica, novos pressupostos são trazidos à prática da pesquisa epistemológica, dentre eles, o trabalho de descrição e de significação. Com isso, a ciência deixa a valorização apenas da quantidade, para inserir no processo a noção de qualidade. Na proposta fenomenológica a pesquisa deve estar voltada à verificação da qualidade e da quantidade.

Para o realismo-fenomenológico o objeto de estudo não é o dado propriamente na objetividade, mas um dado na consciência do momento vivido, produto de uma correlação entre sujeito e as coisas. Neste, realismo-fenomenológico, o objeto de estudo não se encontra apenas lá fora, mas se forma na consciência daquele que intenciona pela atentatividade. Tal procedimento é considerado como uma abertura de existência que dispensa pressupostos para sua explicação. Torna-se um momento novo na ciência que se confronta com a predominância do realismo-positivista que se baseava apenas na análise observacional. Na perspectiva do realismo-fenomenológico o olhar não é tão privilegiado como no realismo-positivista, mas ele divide sua importância com a subjetividade e a intersubjetividade, como condições de descrever a experiência do sujeito com esse dado, ou seja, os modos de aparecer da coisa ou do fato.

A outra perspectiva que surge na via da ciência é a do realismo-histórico. Este realismo passa a ser o reflexo da ação do homem na transformação do mundo. Esta via de compreensão do real entende que a consciência social se efetiva com as concepções políticas, jurídicas, filosóficas, estéticas, religiosas e outras, e não pelo fato de ter-se primeiro a idéia do que seja o ser social, como deseja o idealismo.

Ao se conduzir no mundo, segundo o realismo-histórico, o homem transforma e se deixa transformar por meio das relações sociais de produção, bem como, mediante a correspondência política. Ele cria diferentes modos de apropriação da natureza. Nesta via, o sujeito desenvolve diferentes modos de propriedade o que possibilita organizar o trabalho, surgindo desse exercício as diversas instituições sociais.

Nos desdobramentos do realismo-histórico, entende-se que a atividade de produção do conhecimento tem correspondência com a formação das classes sociais de cada época, que demonstram diferentes modos de pensamento, cada qual vivido no seu tempo histórico. Nessa perspectiva, o realismo-histórico tenta superar a via do realismo-positivista e a do realismo-fenomenológico. A questão neste procedimento, não é observar o mundo nem interpretá-lo, mas entender o processo da transformação que se dá a partir do trabalho. Deste modo, a história se torna o objeto dado pela ação do homem de modo aleatório, como preparação e desenvolvimento do conhecimento. Com esta verificação, compreende-se que o realismo-histórico privilegia, de certo modo, o que se dá de forma positiva. Logo, ainda está no campo do que se apresenta e do que se confirma como nas doutrinas anteriores. Com a história, o método que privilegia o realismo-histórico, entende conhecer o mundo e sua dinâmica.

O realismo-histórico avança em relação a uma sociedade positivista e fenomenológica, pois privilegia não a atividade neutra, nem a interpretativa, mas a ação política, que mostra a transformação do mundo presente na história. O realismo histórico entende que a ciência e a tecnologia se tornam produtos da história enquanto relações de indivíduos entre si e com a natureza.

O realismo-histórico entende que enquanto houver indivíduos que ajam socialmente, com ou contra seu semelhante, é possível se conhecer, conceituar e pesquisar o mundo (MEKSENAS, 2002). O objeto do realismo-histórico está na relação direta com a história da ação do homem no mundo, logo o material de estudo é o objeto histórico. O Marxismo sai da observação (base positivista) e da interpretação (base fenomenológica) e se situa na objetividade histórica, um campo que se alimenta pelo conflito material.

A epistemologia do realismo-histórico busca na história os dados sobrepostos em cada conceito socializado, o que leva a indagar: O que é um ser social? A resposta a este questionamento vai ser obtida nas relações materiais, sociais e política. Esta possibilidade se revela a partir das ações do homem no mundo. A outra questão que vem fortalecer a concepção histórica marxista são os meios de produção, ou seja, o emprego das forças de trabalho para a produção de bens materiais como máquinas, ferramentas, energia, matérias primas, e as forças produtivas: os homens, a experiência de produção e os hábitos de trabalho. Por outro lado, ainda que contraponha aos métodos anteriores, o realismo-histórico mantém a postura positiva que é a condição de análise da realidade dada pela história. Uma análise que se efetiva pela coerência lógica e racional, em relação à natureza, à sociedade e ao pensamento (TRIVIÑOS, 1987).

O realismo-histórico entende que se deve pesquisar e conceituar o mundo quando se pode entender que o indivíduo age sempre socialmente. Para isso, o pesquisador deve considerar as condições das relações sociais de classe. Relação social constituída pela ação, que segundo o realismo-histórico, torna-se o meio pelo qual se pode conhecer a natureza e o ser humano. Modo este, movido pela contradição, ou seja, “afirmação – negação – nova afirmação” (MEKSENAS, 2002).

Contrapondo às três correntes realistas, a perspectiva científica do realismo de Gaston Bachelard (1884 e 1962) vai demonstrar que a produção do conhecimento, hoje, não observa, não interpreta, não se prende a especulação da ação do homem em uma história que se constrói aleatoriamente. Ele reivindica uma epistemologia que se efetiva pela polêmica com todo tipo de conhecimento, seja dado pela sensibilidade (ingenuidade) ou pela teoria. O que o leva ­­­­ao quarto momento da ciência, que prioriza o realismo da pura abstração, ou seja, o negativo.

Bachelard entende que o realismo-abstrato leva a atividade científica a se afastar cada vez mais do empírico, condição que considera como o verdadeiro papel da ciência. Partindo dessa compreensão, Bachelard entende que a atividade científica no atual momento situa-se no campo da polêmica com o que é anterior. Com isso, a polêmica com o realismo-empírico, com o realismo-interpretativo e com o realismo-histórico se torna inevitável, pelo fato dos mesmos priorizarem o objeto que se oferece à atividade do sujeito que conhece.

Ao levar em consideração essas questões, até aqui apresentados, é que se ressalta a contribuição da proposta do realismo-abstrato. Uma via que se entende acrescentar ao processo da produção científica, novas categorias de produção do conhecimento para além daquelas já conhecidas até aqui. O que se entende como possibilidade de avanço em relação às três concepções epistemológicas apresentadas anteriormente.

Uma das mudanças que se percebe em relação aos métodos anteriores está na questão de que a ciência, no realismo-abstrato, primeiro pensa para depois racionalizar. A experiência não é realizada pelos sentidos ou pela análise. No estado abstrato a sensibilidade e a subjetividade são substituídas por instrumentos e pela polêmica. O sujeito passa a sentir e a entender com os instrumentos e a polemizar com o conhecimento teórico. (BACHELARD, 1996). A via epistemológica do realismo-abstrato compreende que não é pela observação, pela intencionalidade ou pela história da ação do homem na transformação da natureza que se tem conhecimento da realidade, mas pela história da razão em suas abstrações cada vez mais audaciosas, que depura o dado e produz a realidade, uma realidade artificial, desprendendo o espírito da realidade natural, seja ela física ou social. (BULCÃO E BARBOSA, 2004).

Surge assim, a partir desse novo método de produção do conhecimento, a opção pelas experiências sugeridas, em que a ordem é uma ordem construída. Uma ordem que passa a ser a verdade, enquanto a desordem o erro. Nesta via a razão se estabelece em um novo caminho, o caminho da preocupação com questões racionais. Deixa de lado a preocupação com os postulados empíricos, intencionais e da ação. Para se debruçar sobre a abstração pura. Um ato que ultrapassa as imagens da realidade natural ou as formas geométricas e, consequentemente, chega às formas abstratas. Prática que Bachelard compreende ser o caminho normal da via psicológica do pensamento científico (BACHELARD, 1996).

Para Bachelard, o realismo-empírico valoriza apenas os procedimentos experimentais que valorizam os decretos ministeriais da medida, do peso, da desconfiança do abstrato e da regra. Um realismo cuja realidade se oferece e deseja instruir o sujeito. Este procedimento, segundo Bachelard, valoriza o ver para compreender (BACHELARD, 2008). Ele entende que o pensamento científico é a reforma de uma ilusão, uma atividade que valoriza a fenomenologia do trabalho. Nessa via, o realismo-empírico perde a primazia diante da atividade científica abstrata que valoriza a realidade construída (BACHELARD, 2008).

A direção em que caminha o realismo-abstrato, percebida por Bachelard, torna-se diferente da via acumulativa do realismo-positivista. Isto, pelo fato deste realismo entender que o pensamento científico se dá de forma hierárquica na história. A via do realismo-abstrato valoriza sempre o recomeço do conhecimento. Atividade que leva o pesquisador de volta ao pensado. Dinâmica que se prende à especulação do conhecido e não da ordem, como desejava o positivismo. Esse caminho oferece ao pesquisador possibilidades de avançar e ultrapassar o comum, a primeira imagem, a teoria impregnada de hábitos intelectuais.

Para a epistemologia bachelardiana, o cientista deve psicanalisar o interesse afetivo, desmanchar a mística do utilitarismo, por mais sedutora e mais valor que tenha; deve desprender o indivíduo do real natural, da intencionalidade e da análise para levá-lo a polêmica, uma posição que emancipa o espírito da sedução do dado para a pura abstração.

Surge assim, a partir dessa nova modalidade de produção do conhecimento, à concepção de experiências sugeridas ou construídas pela razão, em que a ordem é uma ordem construída pelo próprio sujeito. Uma ordem que passa a ser a verdade (BACHELARD, 1996)­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­.

A direção em que caminha o realismo-abstrato torna-se diferente da via evolutiva do realismo-positivista. A via do realismo-positivista se dá em três etapas focadas na dimensão histórica hierárquica, enquanto o realismo-abstrato se forma pela via psicológica (a via psicológica que Bachelard entende passa pelos estados concreto, abstrato-concreto e o abstrato). Na atividade do realismo-artificial a ciência é levada de volta ao pensado, uma dinâmica que se efetiva com a especulação do conhecido e não da ordem ou da análise, ou ainda da intencionalidade. O caminho da pura abstração oferece ao pesquisador possibilidades de avançar e ultrapassar o comum, a primeira imagem, a teoria impregnada de hábitos intelectuais. Ele deve desprender o indivíduo do real instruidor e levá-lo ao real artificial, uma posição que o emancipa para a pura abstração. Com isso, pode-se perceber que a experiência científica sempre será contrária à experiência imediata. Experiência que deseja levar a crer que o fato não pode ser verificado, e sim descrito, explicado, o que elimina a possibilidade do erro, evitando com isso, a polêmica, característica do novo momento do espírito científico. Bachelard, voltando-se para essa questão, nos adverte: “(...) a experiência imediata e usual sempre guarda uma espécie de caráter tautológico, desenvolve-se no reino das palavras e das definições; falta-lhe precisamente esta perspectiva de erros retificados que caracteriza, a nosso ver, o pensamento científico” (1996).

Para Bachelard, o realismo-abstrato se forma contra os instantes anteriores que se pode considerar como o não realismo-concreto, o não realismo-fenomenológico e o não realismo-histórico. Essa via se coloca contra o conhecimento anterior, lugar em que o espírito divide e classifica determinando novas relações (SANTOS, 2004).

Na concepção do realismo-abstrato a natureza não pode ser compreendida por observação, descrição e análises e sim, pela competência de um sujeito científico que se coloca contra essa natureza. Neste caso, o natural se torna apenas um pretexto, uma condição para o trabalho do homem de ciência. Esta atividade epistemológica entende que o conhecimento se dá no instante em que ultrapassa o que é oferecido, seja natural ou teórico. Esta superação se efetiva no instante em que a ciência se coloca, no exercício de suas atividades, contra o aparente, trabalho que se estabelece com a dúvida.

Bachelard aponta para as transformações que as ciências físicas sofreram com as novas formas de investigações. O que mostra que a razão tem uma história, uma história descontínua. Bachelard deixa de se preocupar com a história dos fatos para se aplicar à história da razão. Nessa discussão, contra a prática epistêmica que defende a continuidade da história da ciência, é que surge a concepção de ruptura considerada fundamental em sua epistemologia (BACHELARD, 1996).

A ruptura foi entendida por Bachelard como possibilidade de proporcionar
à ciência o progresso. Postura que extingue os princípios absolutos da razão. Essa compreensão leva a entender que a razão é instável e aberta. O que deu origem a noção de descontinuidade entre o científico e o conhecimento comum. Isto, por entender que a ciência não procede desse comum, mas que tem a função de negar a experiência primeira. Torna-se a idéia de ruptura o eixo principal do realismo-abstrato ou artificial (BACHELARD. 1996).

No realismo abstrato, ligado à dimensão do pensamento, diferente do observável, do intencionado e da análise. Bachelard percebe um estreitamento entre teoria e experiência, mas a teoria sempre surge primeiro. O objeto positivo para o novo espírito científico é apenas um pretexto para a ciência. O pensar não é o pensar observável, analisável ou intencional, mas o pensar teórico, ou seja, o pensar polêmico que se dá no ato de negar o anterior. De modo que uma teoria irá contrapor sempre a outra já existente. Com essa atividade a ciência passa sempre a ser um eterno recomeço.

Diante das circunstâncias em que se detecta a fragilidade do realismo-positivo, Bachelard entende que a ciência deve priorizar uma nova perspectiva epistemológica que se estabeleça pela polêmica contra o anterior, aquela atividade que leve o sujeito que pensa, a lutar sempre contra as imagens, contra as analogias e contra as metáforas, e nunca se deixe levar pela contemplação e explicação dos fenômenos. O novo espírito científico irá instituir a pedagogia que privilegia sempre o contra (BACHELARD, 1996).

Com o realismo-abstrato, o conhecimento não pode privilegiar o dado, torna-se necessário reavivar a crítica, buscar as condições que lhe deram origem. Torna-se necessário valorizar o estado nascente, que emerge de uma resposta saída do problema criado, que dá origem à investigação. A razão discursiva difere da razão instruída. A razão discursiva tem uma característica especial, consegue revirar os problemas, variá-los uns contra os outros. São razões múltiplas que entram nesse jogo cognoscente. Essa prática de pesquisa tem contra si, e que precisa superar as convicções primeiras, que são convicções humanas. Convicções iniciais fundadas em certezas imediatas, do certo e da crença no verdadeiro (BACHELARD, 1996).

Na perspectiva bachelardiana o que existe na experiência com o realismo-positivo são as convicções, as paixões, as crenças e os desejos inconscientes que precisam ser psicanalisados. Essa epistemologia entende que ao se fazer a investigação de um objeto apanhado na primeira experiência, não se pode evitar que as informações sejam distorcidas e imprecisas, o que acarreta momentos confusos da realidade. Esta via epistemológica compreende ser necessária a luta contra essas forças.

Bachelard entende que, por traz de cada representação, existe certa intensidade psicológica que efetiva com maior ou menor força o domínio de uma verdade. Fica evidente que o espírito científico deve opor-se contra essa condição que o realismo-positivo valoriza como modo de chegar ao conhecimento da verdade (BACHELARD, 1996).

A nova metodologia científica, valorizada por Bachelard, reconhece que, ultrapassando o sensível, existem vínculos essenciais mais profundos. O que requer do pesquisador, como necessidade, um trabalho aprofundado, um trabalho que transpõem o espaço dado. Uma atividade que não se limite à representação, mas que ultrapasse a instância da forma (BACHELARD, 1996).

Com o realismo-abstrato ou ainda o realismo do contra, a ciência do prever, do explicar, do intencionar e da análise, passa a prioriza mais as metáforas do que a realidade positiva. Ela cria, com essa mudança de perspectiva, um espaço de configurações, uma posição que desprestigia o natural. (BACHELARD, 1996)

O espírito cético, ou seja, de negação, necessita de ser aguçado contra as informações das aparências externas que desejam instruir. Segundo Bachelard, o espírito científico deve opor-se sempre contra essa ilusão. Para o novo momento do espírito científico o princípio racional deve se fundar na ordem do recomeço e não na ordem do natural. 

Desse modo, Bachelard, com sua epistemologia, inicia uma nova pedagogia de caráter não-positivo. Contraria uma tradição fortemente fundada no realismo-positivo predominante na França em sua época. Uma tradição que procurava negar os juízos metafísicos, e que se entendia como o único caminho para a aquisição do conhecimento verdadeiro, um conhecimento baseado em proposições verificáveis e objetivas.

Com a revolução científica ficou atestado, a fragilidade da ciência natural que se vê abalada com a nova via epistemológica. Com isso, novas categorias passam a integrar à atividade científica. Categorias que vão impulsionar a dinamicidade da racionalização das ciências atuais. Entre os novos pressupostos epistemológicos pode-se citar, além das categorias de ruptura, descontinuidade, obstáculo epistemológico e retificação, a de ultrapassagem, do recomeço, da ingenuidade, do corte epistemológico e da imaginação. Com isso, surge a comprovação de que o caráter racional da ciência se instala na ordem do objeto construído. Essa comprovação descaracteriza o objeto evidente na natureza como objeto de estudo. No novo processo da produção do conhecimento o sujeito torna-se participativo, ativo, deslocado da passividade, do instruído, para o de se instruir. Um sujeito que se revela como cidade científica; que consegue unir racionalidade e técnica a fim de realizar seus próprios fenômenos. A epistemologia bachelardiana mostra que não há nem sujeito nem um objeto previamente constituído, mas ambos se realizam no processo da participação cognoscente. Este procedimento resulta do diálogo entre razão e experiência. Bachelard entende que o sujeito adquire a sua função primordial no ato de sua atividade, que é a de se enganar. Procedimento que o constitui como capaz de retificar suas concepções durante o processo do saber. O sujeito nessa atividade é aquele que não impõe limite, mas o ultrapassa. Atitude que não é normal na tradição científica, pois essa se apoiava em uma estrutura sólida impenetrável, com a qual entende não poder a tudo conhecer, pelas resistências materiais (BULCÃO, 1999).

Com isso, Bachelard esforça-se por demonstrar que os conhecimentos novos contradizem os anteriores e que o espírito científico se desenvolve de erros retificados. Tal postura leva a compreensão de que não existem verdades primeiras, mas que toda verdade nasce de erros corrigidos, uma via que prova a mobilidade do pensamento científico.

Para Bachelard não é no real dado que se inicia o conhecimento, mas no sujeito que conhece: conhecer pela razão dando existência à realidade, nessa perspectiva, a ciência vem antes do real. Uma origem epistemológica que não está na observação imediata dos fenômenos, mas na construção do próprio fenômeno. A ciência anterior buscava um racionalismo aplicado na experiência, entendendo que a validade desta estava na experimentação. Já na nova ciência, como entende Bachelard, o sentido de racionalismo aplicado tem outra perspectiva, pois os conceitos antes de serem experimentados devem ter as condições de sua aplicação. Com isso, a idéia torna-se uma configuração que tem, em si, a ordem superior de sua aplicação. Isto quer dizer que cada noção deve ser provada teoricamente e tecnicamente. São as elaborações teóricas que explicam as determinações técnicas a fim de serem aplicadas. As noções devem ser provadas teoricamente e no que se considera técnico. As resoluções teóricas explicam as determinações técnicas e as técnicas comprovam as questões teóricas. Essas duas condições validam a noção como científica por não serem imediatamente obtidas numa primeira observação (BULCÃO, 1999).

Conclusão


Assim, tendo como horizonte a interrogação sobre o significado do processo de produção do conhecimento em educação – realismo e conhecimento. Foram avaliadas neste trabalho, as contribuições que os métodos de pesquisa científica oferecem para a compreensão do conhecimento do real. Foi possível, nessa discussão, trazer argumentos que sustentam a idéia de que a atividade investigativa em educação pode assumir contornos diferentes das orientações que valorizam o natural educacional e educativo; a produção do conhecimento científico em educação pode superar as diretrizes metodológicas que limitam a pesquisa em educação à explicação, à descrição e à análise da prática pedagógica.

Bachelard reivindica e prioriza a prática que foge da perspectiva que se satisfaz com o real dado, que se formalizam em relatos, narrativas, explicações estudos de fatos, etc. Prioriza a existência de um sujeito capaz de conhecer e definir critérios metodológicos que apontem para outra condição de conhecimento do real, um real que tem a marca do sujeito. Com base nesse pensamento, a pesquisa científica, particularmente em educação, pode se fundar em um discurso que se encontra para além de uma realidade factual, contínua, explicativa e descritiva, mas construída numa ação polêmica com o conhecimento anterior. Pode-se entender essa perspectiva, como uma nova proposta para a produção do conhecimento na ação epistemológica em educação; pensar a produção do conhecimento em educação para além dos fenômenos que priorizam o dado, ou seja, o que é primeiro experimentado, o intencionado e o analisado, para se prender a uma realidade construída, uma realidade que vem depois da ciência.

 

BIBLIOGRAFIA

BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio Janeiro: Contraponto, 1996.

____ Estudo. Tradução de Estrela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

BULCÃO, Marly. O Racionalismo da Ciência Contemporânea. Uma análise da epistemologia de Gaston Bachelard. Londrina: UEL, 1999.

MEKSENAS, Paulo. Pesquisa social e ação pedagógica, conceitos, métodos e práticas.

         São Paulo, Loyola, 2002.  

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. São Paulo Cortez, 2004.

SANTOS FILHO, José Camilo e GAMBOA, Silvio Sanchez (org.). Pesquisa educacional  

         quantidade-qualidade. São Paulo: Cortez, 2002

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva, Introdução à pesquisa em ciências sociais. A pesquisa qualitativa em educação. São Paulo. Atlas: 1987.

 TURA, Maria de Lurdes Rangel e outros. Itinerário da pesquisa. Perspectiva qualitativa em sociologia da educação. Nadir Zago e outros (orgs.). Rio de Janeiro, DP & A:2003.

 

 

 

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